terça-feira, 1 de novembro de 2011

Breve artigo sobre a técnica da "lei ainda constitucional"


Em que consiste a técnica da lei “ainda constitucional”? O STF já a utilizou? Em caso positivo, comente a jurisprudência daquela corte a respeito.

1. INTRODUÇÃO


O Supremo Tribunal Federal tem constantemente se valido de novas técnicas no que tange ao controle abstrato de constitucionalidade. Dentre elas está a técnica da “lei ainda constitucional”, proporcionando àquele Tribunal modular/flexibilizar os efeitos da decisão. Vejamo-la.

2. DESENVOLVIMENTO


Conforme sinteticamente enunciado, está-se diante de importante evolução no assunto controle de constitucionalidade. Parte-se da premissa de lei e/ou qualquer outro ato normativo contrário à Lei Maior deve ser expurgado do ordenamento jurídico pátrio- diante de sua nulidade-, visando a que não produza ou a que deixe de produzir efeitos concretos.
Diante de casos em que a manutenção do diploma legal revelava-se discutível, e de outros em que a declaração de inconstitucionalidade naquele momento também traria problemas, concebeu-se a técnica supracitada, como forma de tornar maleável- certa margem de discricionariedade ao STF- a determinação dos efeitos da sentença, isto é, não necessariamente no exato momento de sua prolação, mas pro futuro ou ex nunc, por exemplo.
Desta forma, a lei é declarada inconstitucional, mas ainda produzirá efeitos até certo ponto determinado na sentença pela Suprema Corte Brasileira, objetivando a respeitar, v.g, o princípio da segurança jurídica e o interesse social (essa é a inteligência da Lei 9.868/1999).
Com isso, faz-se mais do que merecida homenagem a Miguel Reale e à sua concepção de direito como “fato, valor e norma”, denotando que não se pode cingir o controle de constitucionalidade ao quesito “norma”, mas revelando a importância da análise do “fato” e de se “valorar” os efeitos da decisão, indicando quais as circunstâncias mais propícias a que concretize seus efeitos.
Ou seja, temos que, consoante Ricardo Ribeiro Campos, Juiz Federal substituto do TRF da 5ª Região:
Demonstra, no entanto, existir a necessidade de maior flexibilização das decisões no âmbito da jurisdição constitucional, tendência concretizada em diversos países, onde se atribui aos tribunais constitucionais uma margem de discricionariedade para manipularem a eficácia da decisão de inconstitucionalidade e possibilitarem, assim, que normas inconstitucionais produzam alguns efeitos (CAMPOS, 2004, p.85).[1]

Desta feita, a mencionada técnica de decisão se trata da possibilidade de o Supremo modular os efeitos da sentença em sede de controle concentrado, atribuindo o início da eficácia daqueles a momento ulterior, que não o da prolação da sentença.
No Direito alemão, há o que se entende por “declaração de incompatibilidade ou inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade” (Unvereinbarkeitserklärung), em que se atesta a inconstitucionalidade da norma, todavia se excepciona a possibilidade de produção de alguns efeitos.
Em breves palavras, o Ministro Gilmar Ferreira Mendes assim se posiciona:
A utilização dessa técnica de modulação de efeitos  permite ao STF declarar a inconstitucionalidade da norma: a) a partir do trânsito em julgado da decisão (declaração de inconstitucionalidade ex nunc); b) a partir de algum momento posterior ao trânsito em julgado, a ser fixado pelo Tribunal (declaração de inconstitucionalidade com eficácia  pro futuro); c) sem a pronúncia da nulidade da norma; e d) com efeitos retroativos, mas preservando determinadas situações (MENDES, p.3).[2]

Por óbvio se infere que o Supremo já se utilizou desse mecanismo decisório, trazendo à baila um dos casos mais (polêmicos) discutidos recentemente, instrumentalizado na ADI 3.510, de relatoria do Ministro Carlos Ayres Britto, na qual se tratou da viabilidade de pesquisas científicas e terapia com células-tronco embrionárias.
Ali, o Procurador-Geral da República pugnou pela inconstitucionalidade do art. 5º da Lei 11.105/2005 (Lei de Biossegurança), argumentando, em síntese, que afrontaria a “dignidade da pessoa humana”, aos direitos da pessoa humana, à inviolabilidade da vida.
Todavia, tais argumentos não prosperaram, pois, de acordo com o Ministro relator,

Asseverou que as pessoas físicas ou naturais seriam apenas as que sobrevivem ao parto, dotadas do atributo a que o art. 2º do Código Civil denomina personalidade civil, assentando que a Constituição Federal, quando se refere à "dignidade da pessoa humana" (art. 1º, III), aos "direitos da pessoa humana" (art. 34, VII, b), ao "livre exercício dos direitos... individuais" (art. 85, III) e aos "direitos e garantias individuais" (art. 60, § 4º, IV), estaria falando de direitos e garantias do indivíduo-pessoa. Assim, numa primeira síntese, a Carta Magna não faria de todo e qualquer estádio da vida humana um autonomizado bem jurídico, mas da vida que já é própria de uma concreta pessoa, porque nativiva, e que a inviolabilidade de que trata seu art. 5º diria respeito exclusivamente a um indivíduo já personalizado (STF, informativo n. 508).[1]

Especificamente no caso da técnica aludida, o Ministro Gilmar Mendes, além de julgar constitucionais o referido art. 5º e seus incisos, condicionou a utilização do material- daquele momento em diante- a prévia autorização e aprovação por Comitê Central de Ética e Pesquisa, órgão subordinado ao Ministério da Saúde.
Ademais, essa linha de raciocínio segue o modelo Austríaco – concentrado- de controle de constitucionalidade, no qual
Na Áustria o sistema concentrado de controle de constitucionalidade determinar expressamente que as decisões do Tribunal Constitucional somente produzam efeitos a partir da publicação ou mesmo em um momento posterior, não superior a um ano (CAMPOS, 2004, p.88).[2]

3. CONCLUSÃO

Sendo assim, dessas breves linhas conclui-se que estamos diante de relevante técnica decisória, fazendo que com determinadas decisões em sede de controle não tenham seus efeitos a partir de sua prolação, o que acarretaria insegurança jurídica, contrariedade ao interesse social e outros prejuízos quiçá irreparáveis. Com essa técnica, permite-se ao Supremo não declarar pura e simplesmente a inconstitucionalidade do diploma legal, permitindo que ainda produza efeitos até outro momento, indicado na decisão.
Valendo-se da técnica, realiza-se caminho inverso ao que percorreu Otto Bachof em sua monografia “Normas constitucionais inconstitucionais?”, demonstrando o cabimento de uma norma julgada inconstitucional ainda produzir efeitos.
Eis mais um passo à frente na jurisdição constitucional e na sua prestação qualitativa.

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADI e Lei da Biossegurança. Relator Ministro Carlos Ayres Britto. Brasília, 2008. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo508.htm#ADI e Lei da Biossegurança - 6>. Acesso em: 01 nov.2011;

FERREIRA MENDES, G. Brasília. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/repositorio/cms/portalStfInternacional/portalStfAgenda_pt_br/anexo/Decisoes_importantes1.pdf>. Acesso em: 01 nov. 2011;

RIBEIRO CAMPOS, R. Brasília: 2004. Disponível em <http://www.cjf.jus.br/revista/numero25/artigo13.pdf>. Acesso em: 01 de Nov. 2011.





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