Em que consiste a técnica da lei
“ainda constitucional”? O STF já a utilizou? Em caso positivo, comente a jurisprudência
daquela corte a respeito.
1. INTRODUÇÃO
O Supremo Tribunal Federal tem
constantemente se valido de novas técnicas no que tange ao controle abstrato de
constitucionalidade. Dentre elas está a técnica da “lei ainda constitucional”,
proporcionando àquele Tribunal modular/flexibilizar os efeitos da decisão.
Vejamo-la.
2. DESENVOLVIMENTO
Conforme sinteticamente
enunciado, está-se diante de importante evolução no assunto controle de
constitucionalidade. Parte-se da premissa de lei e/ou qualquer outro ato
normativo contrário à Lei Maior deve ser expurgado do ordenamento jurídico
pátrio- diante de sua nulidade-, visando a que não produza ou a que deixe de
produzir efeitos concretos.
Diante de casos em que a
manutenção do diploma legal revelava-se discutível, e de outros em que a
declaração de inconstitucionalidade naquele momento também traria problemas,
concebeu-se a técnica supracitada, como forma de tornar maleável- certa margem de
discricionariedade ao STF- a determinação dos efeitos da sentença, isto é, não
necessariamente no exato momento de sua prolação, mas pro futuro ou ex nunc, por exemplo.
Desta forma, a lei é
declarada inconstitucional, mas ainda produzirá efeitos até certo ponto
determinado na sentença pela Suprema Corte Brasileira, objetivando a respeitar,
v.g, o princípio da segurança jurídica e o interesse social (essa é a
inteligência da Lei 9.868/1999).
Com isso, faz-se mais do
que merecida homenagem a Miguel Reale e à sua concepção de direito como “fato,
valor e norma”, denotando que não se pode cingir o controle de
constitucionalidade ao quesito “norma”, mas revelando a importância da análise
do “fato” e de se “valorar” os efeitos da decisão, indicando quais as circunstâncias
mais propícias a que concretize seus efeitos.
Ou seja, temos que,
consoante Ricardo Ribeiro Campos, Juiz Federal substituto do TRF da 5ª Região:
Demonstra, no entanto, existir a necessidade de maior
flexibilização das decisões no âmbito da jurisdição constitucional, tendência
concretizada em diversos países, onde se atribui aos tribunais constitucionais
uma margem de discricionariedade para manipularem a eficácia da decisão de
inconstitucionalidade e possibilitarem, assim, que normas inconstitucionais
produzam alguns efeitos (CAMPOS, 2004, p.85).[1]
Desta feita, a mencionada
técnica de decisão se trata da possibilidade de o Supremo modular os efeitos da
sentença em sede de controle concentrado, atribuindo o início da eficácia daqueles
a momento ulterior, que não o da prolação da sentença.
No Direito alemão, há o
que se entende por “declaração de incompatibilidade ou inconstitucionalidade
sem pronúncia de nulidade” (Unvereinbarkeitserklärung), em que se atesta
a inconstitucionalidade da norma, todavia se excepciona a possibilidade de
produção de alguns efeitos.
Em breves palavras, o
Ministro Gilmar Ferreira Mendes assim se posiciona:
A utilização dessa
técnica de modulação de efeitos permite
ao STF declarar a inconstitucionalidade da norma: a) a partir do trânsito em
julgado da decisão (declaração de inconstitucionalidade ex nunc); b) a partir
de algum momento posterior ao trânsito em julgado, a ser fixado pelo Tribunal
(declaração de inconstitucionalidade com eficácia pro futuro); c) sem a pronúncia da nulidade
da norma; e d) com efeitos retroativos, mas preservando determinadas situações
(MENDES, p.3).[2]
Por óbvio se infere que o
Supremo já se utilizou desse mecanismo decisório, trazendo à baila um dos casos
mais (polêmicos) discutidos recentemente, instrumentalizado na ADI 3.510, de
relatoria do Ministro Carlos Ayres Britto,
na qual se tratou da viabilidade de pesquisas científicas e terapia com
células-tronco embrionárias.
Ali, o Procurador-Geral da
República pugnou pela inconstitucionalidade do art. 5º da Lei 11.105/2005 (Lei
de Biossegurança), argumentando, em síntese, que afrontaria a “dignidade da
pessoa humana”, aos direitos da pessoa humana, à inviolabilidade da vida.
Todavia, tais argumentos
não prosperaram, pois, de acordo com o Ministro relator,
Asseverou que as
pessoas físicas ou naturais seriam apenas as que sobrevivem ao parto, dotadas
do atributo a que o art. 2º do Código Civil denomina personalidade civil,
assentando que a Constituição Federal, quando se refere à "dignidade da
pessoa humana" (art. 1º, III), aos "direitos da pessoa humana" (art. 34, VII, b), ao
"livre exercício dos direitos... individuais" (art. 85, III) e aos
"direitos e garantias individuais" (art. 60, § 4º, IV), estaria
falando de direitos e garantias do indivíduo-pessoa. Assim, numa primeira
síntese, a Carta Magna não faria de todo e qualquer estádio da vida humana um
autonomizado bem jurídico, mas da vida que já é própria de uma concreta pessoa,
porque nativiva, e que a inviolabilidade de que trata seu art. 5º diria respeito
exclusivamente a um indivíduo já personalizado (STF, informativo n. 508).[1]
Especificamente no caso da técnica aludida, o
Ministro Gilmar Mendes, além de julgar constitucionais o referido art. 5º e
seus incisos, condicionou a utilização do material- daquele momento em diante-
a prévia autorização e aprovação por Comitê Central de Ética e Pesquisa, órgão subordinado
ao Ministério da Saúde.
Ademais, essa linha de raciocínio segue o modelo
Austríaco – concentrado- de controle de constitucionalidade, no qual
“Na
Áustria o sistema concentrado de controle de constitucionalidade determinar
expressamente que as decisões do Tribunal Constitucional somente produzam
efeitos a partir da publicação ou mesmo em um momento posterior, não superior a
um ano (CAMPOS, 2004, p.88).[2]
3. CONCLUSÃO
Sendo
assim, dessas breves linhas conclui-se que estamos diante de relevante técnica
decisória, fazendo que com determinadas decisões em sede de controle não tenham
seus efeitos a partir de sua prolação, o que acarretaria insegurança jurídica,
contrariedade ao interesse social e outros prejuízos quiçá irreparáveis. Com
essa técnica, permite-se ao Supremo não declarar pura e simplesmente a
inconstitucionalidade do diploma legal, permitindo que ainda produza efeitos
até outro momento, indicado na decisão.
Valendo-se
da técnica, realiza-se caminho inverso ao que percorreu Otto Bachof em sua monografia “Normas
constitucionais inconstitucionais?”, demonstrando o cabimento de uma norma
julgada inconstitucional ainda produzir efeitos.
Eis
mais um passo à frente na jurisdição constitucional e na sua prestação
qualitativa.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL. ADI e Lei da Biossegurança. Relator Ministro Carlos Ayres Britto.
Brasília, 2008. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo508.htm#ADI
e Lei da Biossegurança - 6>. Acesso em: 01 nov.2011;
FERREIRA MENDES, G.
Brasília. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/repositorio/cms/portalStfInternacional/portalStfAgenda_pt_br/anexo/Decisoes_importantes1.pdf>.
Acesso em: 01 nov. 2011;
RIBEIRO CAMPOS, R. Brasília: 2004. Disponível
em <http://www.cjf.jus.br/revista/numero25/artigo13.pdf>.
Acesso em: 01 de Nov. 2011.
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