11/11/2012 - 08h00
ESPECIAL
Estabilidade de servidor
público não é garantia de impunidade
A
estabilidade no emprego é o sonho de milhares de trabalhadores que batalham por
uma vaga no serviço público. A garantia protege o servidor de pressões
hierárquicas e políticas. Resguarda também a própria administração, assegurando
a continuidade dos serviços.
As críticas à estabilidade funcional são inúmeras. Muitos acreditam que ela
favorece a baixa qualidade do serviço público, uma vez que o servidor estável
não teria compromisso com produtividade e eficiência.
Contudo, a própria legislação traz uma série de
deveres e proibições que, se não observados, geram punição. Da simples
advertência à demissão, tudo depende da natureza e da gravidade da infração, do
dano causado, das circunstâncias e dos antecedentes funcionais.
Em 2011, a administração pública federal aplicou 564 punições administrativas
expulsivas do serviço público. Foram 469 demissões, 38 cassações de
aposentadoria e 57 destituições. Até setembro de 2012, foram mais 394
expulsões. Desde 2003, quando a Controladoria Geral da União (CGU) começou a
registrar os dados, foram aplicadas 3.927 penalidades máximas.
De acordo com o relatório da CGU, entre 2003 e 2011, quase 32% das punições
foram aplicadas por uso indevido do cargo público e 19% por improbidade
administrativa. Abandono de cargo (falta injustificada por mais de 30 dias
consecutivos) motivou 8,6% das expulsões, seguido de recebimento de propina
(5,5%) e desídia (4,8%), que é desleixo, negligência ou descaso com o trabalho.
Os
outros 30% saíram por motivos variados, como acumulação ilegal de cargos,
aplicação irregular de dinheiro público e dilapidação de patrimônio.
Legislação
O artigo 41 da Constituição Federal (CF) estabelece que o servidor é estável
após três anos de exercício no cargo.
A partir daí, só pode perder o emprego em três
hipóteses: por decisão
judicial transitada em julgado, após processo administrativo em que lhe seja
assegurada ampla defesa e mediante procedimento de avaliação periódica de
desempenho, na forma de lei complementar, assegurada ampla defesa.
A Lei 8.112/90 – Estatuto do Servidor – traz no artigo 116 os deveres dos
servidores públicos, e no artigo 117 lista as proibições. As penalidades, no
artigo 127, são seis: advertência, suspensão, demissão, cassação de
aposentadoria ou disponibilidade, destituição de cargo em comissão e de função
comissionada. Já o artigo 132 estabelece os casos em que deve ser aplicada a
pena de demissão.
O servidor que descumprir seus deveres ou violar as proibições pode ser punido
administrativamente, por meio de Processo Administrativo Disciplinar (PAD).
Geralmente, quem é punido nessa esfera recorre ao Judiciário, principalmente
quando aplicadas as penas mais graves, que são demissão e cassação de
aposentadoria ou disponibilidade.
Na administração federal, as demissões são efetivadas com a publicação de
portaria assinada pelo ministro de estado ao qual está subordinado o órgão do
servidor.
O ato do ministro é contestado
no STJ por meio de mandado de segurança.
A
competência para julgar esses processos é atualmente da Primeira Seção,
especializada em direito público.
Até abril de 2010, tais casos competiam à Terceira Seção, especializada em
matéria penal, que também julgavam questões relativas a servidores públicos.
Para conter a sobrecarga de processos no colegiado penal, o regimento interno
foi alterado, mas a Terceira Seção permaneceu com os casos que já haviam sido
distribuídos antes da mudança.
Só este ano, o STJ julgou quase cem processos de servidores contra demissões
aplicadas pela administração.
Confira as principais
decisões.
Demissão obrigatória
A Primeira Seção consolidou o entendimento de que "a administração
pública, quando se depara com situações em que a conduta do investigado se
amolda às hipóteses de demissão ou cassação de aposentadoria, não dispõe de
discricionariedade para aplicar pena menos gravosa por se tratar de ato
vinculado" – ou seja, é obrigada a demitir.
Com base nessa tese, a Seção manteve a demissão de agentes administrativos do
Ministério da Fazenda. Eles permitiram o pagamento irregular de valores
retroativos a aposentados em processos fraudulentos, inclusive com falsificação
de assinaturas e de portarias.
Eles alegaram falta de proporcionalidade e razoabilidade na punição, e
inexistência de prejuízo ao erário. Para a maioria dos ministros, o prejuízo é
evidente, porque os valores indevidos foram pagos e não retornaram aos cofres
públicos. Entenderam que ficou comprovada a gravidade das condutas apuradas e
que a pena de demissão foi adequadamente aplicada.
Nesse caso, o ministro Napoleão Nunes Maia Filho ficou vencido. Ele concedia a
segurança para reintegração dos demitidos, permitindo a aplicação de pena menos
severa. O ministro considerou que os servidores tinham mais de 34 anos de
serviço público sem punição administrativa anterior (MS 12.200).
Improbidade administrativa
A Primeira Seção decidiu que é possível condenar servidor à cassação de
aposentadoria em PAD por fato previsto na Lei de Improbidade Administrativa
(LIA – Lei 8.429/92). Para a maioria dos ministros, não há incompatibilidade
entre o artigo 20 da LIA e os artigos 127 e 132 da Lei 8.112.
Com esse entendimento, a Seção manteve a cassação de aposentadoria de
ex-auditor fiscal da Receita Federal, condenado em PAD por deixar de lançar
tributos em benefício de diversas empresas. Incialmente, a comissão impôs a
pena de demissão do servidor.
Como ele aposentou-se antes da conclusão do PAD, houve retificação do ato para
cassar a aposentadoria. De acordo com o artigo 134 da Lei 8.112, “será
cassada a aposentadoria ou a disponibilidade do inativo que houver praticado,
na atividade, falta punível com a demissão”.
O ministro Herman Benjamin, relator do caso, destacou que o artigo 132, inciso
IV, do Estatuto do Servidor prevê a pena de demissão para servidores que tenham
incidido em improbidade administrativa. “A redação é anterior à atual Lei
8.429, mas está distante de significar ausência de tipicidade da conduta”, afirmou
no voto.
Segundo Benjamin, da interpretação sistemática do artigo 20 da LIA,
combinado com os artigos 37 e 41 da Constituição e a Lei 8.112, conclui-se que
não foi abolido nenhum dispositivo legal que estabeleça pena de demissão.
“É inconcebível que uma lei redigida para coibir com maior rigor a improbidade
administrativa no nosso país tenha terminado por enfraquecer sua perquirição”,
analisou.
“O artigo 20 não está dizendo que é só
por sentença transitada em julgado que se pode demitir. O que ele está dizendo é que a pena de demissão imposta numa ação de
improbidade só se efetiva depois do trânsito em julgado”, complementou o ministro Teori
Zavascki (MS 16.418).
Pena mais grave
O servidor público pode sofrer pena ainda mais grave do que a sugerida
por comissão disciplinar.
A
Terceira Seção manteve pena de demissão a ex-servidor da Previdência Social,
apesar de a comissão de processo disciplinar ter sugerido a aplicação de 90
dias de suspensão.
Seguindo
voto do relator, ministro Marco Aurélio Bellizze, a Seção reconheceu que a
imposição da pena mais grave pelo ministro de estado foi fundamentada na
existência de dolo por parte do ex-servidor e na gravidade da infração.
No caso, um técnico do seguro social foi apontado em operação da Polícia
Federal como envolvido em irregularidades na concessão de benefícios
previdenciários. A comissão disciplinar concluiu pela responsabilidade do
servidor e sugeriu a pena se suspensão. No entanto, a Consultoria Jurídica do
Ministério da Previdência Social concluiu que deveria ser aplicada a pena de
demissão.
Ao analisar mandado de segurança do ex-servidor, o ministro Bellizze
constatou que o ministro de estado nada mais fez do que aplicar a previsão
contida no artigo 168 da Lei 8.112, segundo o qual, “quando o relatório da
comissão contrariar as provas dos autos, a autoridade julgadora poderá,
motivadamente, agravar a penalidade proposta, abrandá-la ou isentar o servidor
de responsabilidade” (MS 14.856).
Punição cumprida e depois agravada
Em outro caso, um analista ambiental contestou sua demissão após o cumprimento
de punição imposta anteriormente pelo mesmo fato. O PAD que apurou a prática de
concessões irregulares de licenças e autorizações ambientais aplicou suspensão
de 75 dias, depois convertida em multa. Após o pagamento, a CGU entendeu que
era caso de demissão e determinou a substituição da pena.
Nessas situações, a Terceira Seção
entende que, após o encerramento do PAD, não é possível agravar a penalidade
imposta, mesmo que a sanção aplicada não esteja em conformidade com a lei ou
norma interna.
Essa posição tem amparo na Súmula 19 do Supremo
Tribunal Federal (STF),
que não admite segunda punição de servidor público, decorrente do mesmo
processo em que se baseou a primeira.
Além disso, o STJ entende que o PAD só
pode ser anulado quando for constatada a ocorrência de vício
insanável, ou revisto quando apresentados fatos
novos ou circunstâncias posteriores que justifiquem a inocência do servidor
punido ou a inadequação da
penalidade, QUE NÃO PODE SER AGRAVADA.
Assim,
o analista ambiental foi reconduzido ao cargo (MS 10.950).
PAD contra ex-servidor
A administração
pública é obrigada a apurar, por
meio de sindicância ou PAD, a responsabilidade civil-administrativa de servidor
resultante de sua atuação no
exercício do cargo.
Caso não o faça, a autoridade competente comete o
crime de “condescendência criminosa”, tipificado no artigo 320 do Código Penal.
Com base nessa regra, a Terceira Seção entende que a necessidade de apuração de irregularidades não exclui
ex-servidor, que pode ser investigado administrativamente por
condutas praticadas quando exerceu o cargo público.
Embora não seja mais possível
aplicar pena administrativa,
a apuração pode ter outros desdobramentos, como remessa de relatório ao
Ministério Público para eventual propositura de ação penal ou ação de reparação
de danos civis, por exemplo.
Por essa razão, a Seção manteve um PAD instaurado em 2008 contra um procurador
federal demitido em 2002. Ele alegou que, sendo ex-servidor, não poderia ser
alvo de investigação administrativa. Mas o argumento foi rejeitado (MS
13.916).
Imparcialidade
O servidor que responde a um PAD tem a garantia de imparcialidade dos
integrantes da comissão processante.
Outro
servidor que realizou a sindicância para apurar os fatos ilícitos e emitiu juízo sobre
a possível responsabilidade do investigado não pode determinar a instauração do processo e aprovar
seu relatório final.
Com esse entendimento, a Terceira Seção anulou, desde sua instauração, um PAD
que havia concluído pela demissão de auditor fiscal da Receita Federal. Os
ministros não aceitaram que o mesmo servidor destacado para realização da sindicância
tivesse instaurado o processo, designado a comissão e aprovado seu relatório
final.
Os ministros consideraram que a
instauração do PAD envolve, ainda que em
caráter preliminar, juízo de admissibilidade, em que é verificada a
existência de indícios suficientes da ocorrência de transgressão funcional.
Por
isso, a legislação traz diversos dispositivos que rejeitam a participação de
quem está pessoalmente envolvido nos fatos, comprometendo a imparcialidade da
atuação administrativa (MS 15.107).
Proporcionalidade da pena
Uma juíza instaurou processo disciplinar contra um escrivão devido ao
arquivamento irregular de 48 cartas precatórias, ocorrido em 1991. A publicação
da portaria que o demitiu foi publicada mais de dez anos após o ato de suposta
desídia.
Como o crime cometido era de prevaricação, com pena de um ano de detenção, a
Segunda Turma entendeu que a pretensão punitiva já estava prescrita. Segundo o
artigo 109, inciso V, do Código Penal, ocorre a prescrição da pretensão
punitiva em quatro anos quando a pena máxima for de um ano ou, sendo superior,
não excede a dois anos.
Além disso, os ministros consideraram “anormal e inadequada” a penalidade de
demissão imposta a um servidor com 35 anos de serviços prestados. Conforme o
apurado, ele teria deixado de praticar ato de ofício em 1991, consistente em
não providenciar os atos que lhe competiam por dever nas respectivas
precatórias, só para evitar gastos como despesas de correio.
Essa conduta não está entre as
hipóteses para as quais a lei prevê a pena de demissão (RMS 27.632).
19/10/2012 -
08h03
DECISÃO
Consumidor tem direito à
reparação de falha oculta até o fim da vida útil do produto e não só
durante garantia
O
prazo para o consumidor reclamar de defeito ou vício oculto de fabricação, não
decorrentes do uso regular do produto, começa a contar a partir da descoberta
do problema, desde que o bem ainda esteja em sua vida útil, independentemente
da garantia.
O entendimento, unânime, é da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça
(STJ), que manteve rejeição de cobrança por reparo de trator que apresentou
defeito três anos depois de vendido. A loja ainda deverá ressarcir o consumidor
pelo tempo em que a máquina ficou indisponível para uso em razão da manutenção.
A empresa
vendedora do trator buscava no STJ receber os quase R$ 7 mil equivalentes ao
conserto do bem. Ela alegava que o defeito surgiu quando o prazo de garantia do
produto, de oito meses ou mil horas de uso, já havia vencido. Segundo a loja, o
problema deveria ser considerado desgaste natural decorrente do uso do produto
por mais de três anos. Ela pretendia ainda reverter a condenação por lucros
cessantes obtida pelo consumidor em reconvenção.
O ministro Luis Felipe Salomão rejeitou os argumentos da fornecedora. Para o
relator, ficou comprovado nas instâncias inferiores que se tratava de defeito
de fabricação.
Em
seu voto, ele citou testemunhas que afirmaram ter ocorrido o mesmo problema em
outros tratores idênticos, depois de certo tempo de uso. As instâncias
ordinárias também apuraram que a vida útil do trator seria de 10 mil horas, o
que equivaleria a cerca de dez ou doze anos de uso.
Obsolescência programada
Para o relator, o Judiciário deve combater práticas abusivas como a
obsolescência programada de produtos duráveis. Segundo Salomão, essa prática
consiste na redução artificial da durabilidade de produtos e componentes,
de modo a forçar sua recompra prematura, e é adotada por muitas empresas desde
a década de 20 do século passado. Além de contrariar a Política Nacional das
Relações de Consumo, avaliou o ministro, a prática gera grande impacto
ambiental.
“Com efeito,
retomando o raciocínio para o caso em apreço, é com os olhos atentos ao cenário
atual – e até com boa dose de malícia, dada a massificação do consumo – que
deve o Judiciário analisar a questão do vício ou defeito do produto”, afirmou.
“Independentemente de prazo contratual de garantia, a venda de um bem tido por
durável com vida útil inferior àquela que legitimamente se esperava, além de
configurar um defeito de adequação (artigo 18 do Código de Defesa do Consumidor
– CDC), evidencia quebra da boa-fé
objetiva, que deve nortear as relações contratuais, sejam elas de consumo,
sejam elas regidas pelo direito comum”, acrescentou o relator.
“Constitui, em outras palavras, descumprimento do dever de informação e a
não realização do próprio objeto do contrato, que era a compra de um bem
cujo ciclo vital se esperava, de forma legítima e razoável, fosse mais longo”,
completou o ministro Salomão.
Garantia
e durabilidade
Ele entendeu
que, por se tratar de vício oculto, o prazo decadencial deveria ser contado a
partir do momento em que o defeito fosse evidenciado, com base no artigo 26 do
CDC.
Esse artigo estabelece prazo de 90 dias para bens
duráveis e de 30 dias para produto não durável, para o consumidor apresentar
reclamação quando o vício é aparente.
O ministro Salomão afirmou,
porém, que o fornecedor não será eternamente responsável pelos produtos
colocados em circulação, mas também não se pode limitar a responsabilidade ao
prazo contratual de garantia puro e simples, que é estipulado unilateralmente
pelo próprio fornecedor.
Segundo o relator, a obrigação do
fornecedor em consertar o produto acaba depois de esgotada a vida útil do bem.
“A doutrina
consumerista tem entendido que o Código de Defesa do Consumidor, no parágrafo
3º do artigo 26, no que concerne à disciplina do vício oculto, adotou o critério da vida útil do bem, e não o
critério da garantia, podendo o fornecedor se responsabilizar pelo vício em um
espaço largo de tempo, mesmo depois de expirada a garantia contratual”, declarou.
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