STF:
Importante:
RELATOR:
MIN. CELSO DE MELLO
EMENTA: CRIME ELEITORAL. PROCEDIMENTO
PENAL DEFINIDO PELO PRÓPRIO CÓDIGO ELEITORAL (“LEX SPECIALIS”).
PRETENDIDA OBSERVÂNCIA DO NOVO “ITER” PROCEDIMENTAL ESTABELECIDO PELA
REFORMA PROCESSUAL PENAL DE 2008, QUE INTRODUZIU ALTERAÇÕES NO CÓDIGO DE
PROCESSO PENAL (“LEX GENERALIS”).
ANTINOMIA MERAMENTE APARENTE, PORQUE SUPERÁVEL MEDIANTE APLICAÇÃO DO
CRITÉRIO DA ESPECIALIDADE (“LEX SPECIALIS DEROGAT LEGI GENERALI”).
CONCEPÇÃO
ORTODOXA QUE PREVALECE, ORDINARIAMENTE, NA SOLUÇÃO DOS CONFLITOS ANTINÔMICOS
QUE OPÕEM LEIS DE CARÁTER GERAL ÀQUELAS DE CONTEÚDO ESPECIAL.
PRETENDIDA UTILIZAÇÃO DE FATOR DIVERSO DE SUPERAÇÃO DESSA ESPECÍFICA
ANTINOMIA DE PRIMEIRO GRAU, MEDIANTE OPÇÃO HERMENÊUTICA QUE SE MOSTRA MAIS
COMPATÍVEL COM OS POSTULADOS QUE INFORMAM O ESTATUTO CONSTITUCIONAL DO DIREITO
DE DEFESA. VALIOSO PRECEDENTE DO SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL (AP 528-AGR/DF, REL. MIN. RICARDO LEWANDOWSKI). NOVA ORDEM RITUAL QUE, POR REVELAR-SE
MAIS FAVORÁVEL AO ACUSADO (CPP, ARTS. 396 E 396-A, NA REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº
11.719/2008), DEVERIA REGER O PROCEDIMENTO PENAL, NÃO OBSTANTE DISCIPLINADO EM LEGISLAÇÃO ESPECIAL, NOS CASOS DE CRIME
ELEITORAL. PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DESSA POSTULAÇÃO. OCORRÊNCIA DE
“PERICULUM IN MORA”. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.
DECISÃO: Trata-se de “habeas corpus”, com pedido
de medida liminar, impetrado contra decisão, que, emanada do E. Tribunal
Superior Eleitoral, restou consubstanciada em acórdão assim ementado:
“‘Habeas corpus’. Ação penal. Inscrição
fraudulenta de eleitor. Falsidade ideológica. Condutas típicas. Procedimento.
Código de Processo Penal. Aplicação subsidiária. Adoção. Necessidade. Código
Eleitoral. Norma específica. Ordem denegada.
1. O
trancamento da ação penal na via do ‘habeas corpus’ somente é possível quando,
sem a necessidade de reexame do conjunto fático-probatório, evidenciar-se, de
plano, a atipicidade da conduta, a ausência de indícios para embasar a acusação
ou, ainda, a extinção da punibilidade, hipóteses não verificadas ‘in casu’.
Precedentes.
2. No
processamento das infrações eleitorais devem ser observadas as disposições específicas
dos arts. 359 e seguintes do Código Eleitoral, devendo ser aplicado o Código de
Processo Penal apenas subsidiariamente.
3. Não constitui constrangimento ilegal o
recebimento de denúncia que contém indícios suficientes de autoria e
materialidade, além da descrição clara de fatos que configuram, em tese, os
crimes descritos nos arts. 289 e 350 do Código Eleitoral.
4. Ordem denegada.”
(HC 2825-59.2010.6.00.0000/SP, Rel. Min. MARCELO
RIBEIRO - grifei)
Busca-se, na presente impetração, a concessão de
medida cautelar destinada a suspender o curso do Processo-crime nº 02/2009, ora
em tramitação perante o Juízo da 203ª Zona Eleitoral da comarca de
Viradouro/SP.
Aduz, em síntese, a parte ora impetrante, neste
“writ”, a ocorrência de nulidade absoluta do procedimento penal em questão,
alegando-se que o magistrado de primeiro grau teria desrespeitado o rito
estabelecido nos artigos 396 e 396-A do Código de Processo Penal, na redação
dada pela Lei nº 11.719/2008, eis que “as disposições dos artigos 395 a 398 do Código
de Processo Penal aplicam-se a todos os procedimentos penais de primeiro grau,
ainda que não regulados nesse Código, incluindo-se, assim, os processos
apuratórios de crimes eleitorais, ainda que o rito procedimental seja regulado
por lei especial” (grifei).
Presente tal contexto, passo a examinar a
postulação cautelar ora deduzida nesta sede processual.
Não se ignora que, na aplicação das normas que
compõem o ordenamento positivo, podem registrar-se situações de conflito
normativo, reveladoras da existência de antinomia em sentido próprio,
eminentemente solúvel, porque superável mediante utilização, em cada caso
ocorrente, de determinados fatores, tais como o critério hierárquico (“lex
superior derogat legi inferiori”), o critério cronológico (“lex posterior
derogat legi priori”) e o critério da especialidade (“lex specialis derogat
legi generali”), que têm a virtude de viabilizar a preservação da essencial
coerência, integridade e unidade sistêmica do ordenamento positivo (RTJ
172/226-227, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).
No caso
ora em exame, mostra-se pertinente a invocação do critério da especialidade,
pois se acham em (aparente) conflito regras legais, de caráter procedimental,
inscritas no Código de Processo Penal (“lex generalis”) e no Código Eleitoral
(“lex specialis”).
A
utilização do critério da especialidade representaria, no caso, a solução
ortodoxa da antinomia de primeiro
grau registrada no contexto ora em exame.
Essa
concepção ortodoxa, que faz incidir, em situação de antinomia
aparente, o critério da especialidade, tem prevalecido, ordinariamente, no
entendimento doutrinário, como resulta da lição de eminentes autores (HUGO
DE BRITO MACHADO, “Introdução ao Estudo do Direito”, p. 164/166 e 168, itens
ns. 1.2, 1.3 e 1.6, 2ª ed., 2004, Atlas; MARIA HELENA DINIZ, “Lei de Introdução
ao Código Civil Brasileiro Interpretada”, p. 67/69, item n. 4, e p. 72/75, item
n. 7, 1994, Saraiva; ROBERTO CARLOS BATISTA, “Antinomias Jurídicas e Critérios
de Resolução”, “in” Revista de Doutrina e Jurisprudência-TJDFT, vol. 58/25-38,
32-34, 1998; RAFAEL MARINANGELO, “Critérios para Solução de Antinomias do
Ordenamento Jurídico”, “in” Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo,
vol. 15/216-240, 232/233, 2005, RT, v.g.), valendo referir, dentre eles, o
magistério, sempre lúcido e autorizado, de NORBERTO BOBBIO (“Teoria do
Ordenamento Jurídico”, p. 91/92 e 95/97, item n. 5, trad. Cláudio de
Cicco/Maria Celeste C. J. Santos, 1989, Polis/Editora UnB), para quem,
ocorrendo situação de conflito entre normas (aparentemente) incompatíveis, deve
prevalecer, por efeito do critério da especialidade, o diploma estatal “que
subtrai, de uma norma, uma parte de sua matéria, para submetê-la a uma
regulamentação diferente (contrária ou contraditória)...” (grifei).
Ocorre,
no entanto, que se invoca, no caso, um outro critério, que não o da
especialidade, fundado em opção hermenêutica que se legitima em razão de se
mostrar mais compatível com os postulados que informam o estatuto
constitucional do direito de defesa, conferindo-lhe substância, na medida em que a nova ordem ritual definida nos
arts. 396 e 396-A do CPP, na redação dada pela Lei nº 11.719/2008, revela-se evidentemente mais favorável que
a disciplina procedimental resultante do próprio Código Eleitoral.
Sabemos que a reforma processual penal
estabelecida por legislação editada em 2008 revelou-se mais consentânea com as
novas exigências estabelecidas pelo moderno processo penal de perfil
democrático, cuja natureza põe em perspectiva a essencialidade do direito à
plenitude de defesa e ao efetivo respeito, pelo Estado, da prerrogativa
ineliminável do contraditório.
Bem por
isso, a Lei nº 11.719/2008, ao reformular a ordem ritual nos procedimentos
penais, instituiu fase preliminar caracterizada pela instauração de
contraditório prévio, apto a ensejar, ao acusado, a possibilidade de argüir
questões formais, de discutir o próprio fundo da acusação penal e de alegar
tudo o que possa interessar à sua defesa, além de oferecer justificações, de
produzir documentos, de especificar as provas pretendidas e de arrolar
testemunhas, sem prejuízo de outras medidas ou providências que repute
imprescindíveis.
Com tais inovações, o Estado observou tendência
já consagrada em legislação anterior, como a Lei nº 10.409/2002 (art. 38) e a
Lei nº 11.343/2006 (art. 55), cujas
prescrições viabilizaram a prática de verdadeiro contraditório prévio no
qual o acusado poderia invocar todas as razões de defesa – tanto as de natureza
formal quanto as de caráter material.
Mostrou-se
tão significativa essa fase procedimental que a jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal, em sucessivas decisões, reconheceu que a inobservância
desse “contraditório prévio” constituía causa de nulidade processual absoluta
(HC 87.346/MS, Rel. p/ o acórdão Min. CÁRMEN LÚCIA - HC 90.226/SP, Rel. Min.
CELSO DE MELLO – HC 98.382/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO – RHC 86.680/SP, Rel.
Min. JOAQUIM BARBOSA, v.g.), como o evidenciam, dentre outros, os seguintes
julgados:
“‘HABEAS CORPUS’ – DIREITO AO CONTRADITÓRIO
PRÉVIO (LEI Nº 10.409/2002, ART. 38) – REVOGAÇÃO DESSE DIPLOMA LEGISLATIVO –
IRRELEVÂNCIA – EXIGÊNCIA MANTIDA NA NOVÍSSIMA LEI DE TÓXICOS (LEI Nº
11.343/2006, ART. 55) – INOBSERVÂNCIA DESSA FASE RITUAL PELO JUÍZO PROCESSANTE
– NULIDADE PROCESSUAL ABSOLUTA – OFENSA AO POSTULADO CONSTITUCIONAL DO ‘DUE
PROCESS OS LAW’ – PEDIDO DEFERIDO.
- A inobservância do rito procedimental previsto
na (revogada) Lei nº 10.409/2002 configurava típica hipótese de nulidade
processual absoluta, sendo-lhe ínsita a própria idéia de prejuízo, eis que o
não-cumprimento do que determinava, então, o art. 38 do diploma legislativo em
causa comprometia o concreto exercício, pelo denunciado, da garantia
constitucional da plenitude de defesa. Precedentes.
- Subsistência, na novíssima Lei de Tóxicos (Lei
nº 11.343/2006, art. 55), dessa mesma fase ritual de contraditório prévio, com
iguais conseqüências jurídicas, no plano das nulidades processuais, se
descumprida pelo magistrado processante.
- A exigência de fiel observância, por parte do
Estado, das formas processuais estabelecidas em lei, notadamente quando
instituídas em favor do acusado, representa, no âmbito das persecuções penais,
inestimável garantia de liberdade, pois o processo penal configura expressivo
instrumento constitucional de salvaguarda dos direitos e garantias assegurados
ao réu. Precedentes.”
(HC 93.581/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
“(...) II - Defesa - Entorpecentes - Nulidade
por falta de oportunidade para a defesa preliminar prevista no art. 38 da L. 10.409/02:
demonstração de prejuízo: prova impossível (HC 69.142, 1ª T., 11.2.92,
Pertence, RTJ 140/926; HC 85.443, 1ª T., 19.4.05, Pertence, DJ 13.5.05).
Não bastassem o recebimento da denúncia e a
superveniente condenação do paciente, não cabe reclamar, a título de
demonstração de prejuízo, a prova impossível de que, se utilizada a
oportunidade legal para a defesa preliminar, a denúncia não teria sido
recebida.”
(HC 84.835/SP, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE,
Primeira Turma- grifei)
“‘HABEAS CORPUS’. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. RITO
DO ART. 38 DA LEI 10.409/2002. INOBSERVÂNCIA. EXISTÊNCIA DE PREJUÍZO PARA A
DEFESA.
A inobservância do rito do art. 38 da Lei nº
10.409/2002, que assegura o contraditório prévio ao denunciado pelo crime de
tráfico de entorpecentes, resulta na nulidade do processo penal, desde o
recebimento da denúncia.
Habeas corpus conhecido e ordem concedida.”
(HC 94.027/SP, Rel. p/ o acórdão Min. JOAQUIM
BARBOSA - grifei)
Esta Suprema Corte, de outro lado, tendo
presentes as inovações produzidas pelos diplomas legislativos que introduziram
expressivas reformas em sede processual penal (Lei 11.689/2008 – Lei nº
11.690/2008 - Lei nº 11.719/2008), veio a adequar, mediante construção
jurisprudencial, a própria Lei nº 8.038/90 (que já previa fase de contraditório
prévio) ao novo modelo ritual, fazendo incidir, nos processos penais
originários, a regra que, fundada na Lei nº 11.719/2008 (CPP, art. 400),
definiu o interrogatório (qualificado como “depoimento pessoal” pelo art. 359
do Código Eleitoral, na redação que lhe deu a Lei nº 10.732/2003) como o último
ato da fase de instrução probatória, por entender que se tratava de medida
evidentemente mais favorável ao réu:
“PROCESSUAL PENAL. INTERROGATÓRIO NAS AÇÕES
PENAIS ORIGINÁRIAS DO STF. ATO QUE DEVE PASSAR A SER REALIZADO AO FINAL DO
PROCESSO. NOVA REDAÇÃO DO ART. 400 DO CPP. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA
PROVIMENTO.
I – O art. 400 do Código de Processo Penal, com
a redação dada pela Lei 11.719/2008, fixou o interrogatório do réu como ato
derradeiro da instrução penal.
II – Sendo tal prática benéfica à defesa, deve
prevalecer nas ações penais originárias perante o Supremo Tribunal Federal, em
detrimento do previsto no art. 7º da Lei 8.038/90 nesse aspecto. Exceção apenas
quanto às ações nas quais o interrogatório já se ultimou.
III – Interpretação sistemática e teleológica do
direito.
IV – Agravo regimental a que se nega
provimento.”
(AP 528-AgR/DF, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI -
grifei)
Tenho por relevante, bem por isso, esse aspecto
da causa ora em exame, uma vez que a previsão do contraditório prévio a que se
referem os artigos 396 e 396-A do CPP, mais do que simples exigência legal,
traduz indisponível garantia de índole jurídico- constitucional assegurada aos
denunciados, de tal modo que a observância desse rito procedimental configura
instrumento de clara limitação ao poder persecutório do Estado, ainda mais se
se considerar que, nessa resposta prévia – que compõe fase processual
insuprimível (CPP, art. 396-A, § 2º) -, torna-se lícita a formulação, nela, de
todas as razões, de fato ou de direito, inclusive aquelas pertinentes ao mérito
da causa, reputadas essenciais ao pleno exercício da defesa pelo acusado, como
assinala, com absoluta correção, o magistério da doutrina (EUGÊNIO PACELLI DE
OLIVEIRA e DOUGLAS FISCHER, “Comentários ao Código de Processo Penal e sua
Jurisprudência”, p. 869/870, 2ª ed., 2011, Lumen Juris; PEDRO HENRIQUE
DEMERCIAN e JORGE ASSAF MALULY, “Curso de Processo Penal”, p. 374/375, 4ª ed.,
2009, Forense; ANDREY BORGES DE MENDONÇA, “Nova Reforma do Código de Processo
Penal”, p. 260/264, 2ª ed., 2009, Método, v.g.).
É sempre importante rememorar, presente o
contexto em análise, que a exigência de fiel observância das formas processuais
estabelecidas em lei, notadamente quando instituídas em favor do acusado,
representa, no âmbito das persecuções penais, uma inestimável garantia de
liberdade, pois não se pode desconhecer, considerada a própria jurisprudência
desta Suprema Corte, que o processo penal configura expressivo instrumento constitucional
de salvaguarda das liberdades individuais do réu, contra quem não se presume
provada qualquer acusação penal:
“A submissão de uma pessoa à jurisdição penal do
Estado coloca em evidência a relação de polaridade conflitante que se
estabelece entre a pretensão punitiva do Poder Público e o resguardo à
intangibilidade do ‘jus libertatis’ titularizado pelo réu.
A persecução penal rege-se, enquanto atividade
estatal juridicamente vinculada, por padrões normativos, que, consagrados pela
Constituição e pelas leis, traduzem limitações significativas ao poder do
Estado. Por isso mesmo, o processo penal só pode ser concebido - e assim deve
ser visto - como instrumento de salvaguarda da liberdade do réu.
O processo penal condenatório não é um
instrumento de arbítrio do Estado. Ele representa, antes, um poderoso meio de
contenção e de delimitação dos poderes de que dispõem os órgãos incumbidos da
persecução penal. Ao delinear um círculo de proteção em torno da pessoa do réu
- que jamais se presume culpado, até que sobrevenha irrecorrível sentença
condenatória -, o processo penal revela-se instrumento que inibe a opressão
judicial e que, condicionado por parâmetros ético-jurídicos, impõe, ao órgão
acusador, o ônus integral da prova, ao mesmo tempo em que faculta ao acusado,
que jamais necessita demonstrar a sua inocência, o direito de defender-se e de
questionar, criticamente, sob a égide do contraditório, todos os elementos
probatórios produzidos pelo Ministério Público.
A própria exigência de processo judicial
representa poderoso fator de inibição do arbítrio estatal e de restrição ao
poder de coerção do Estado. A cláusula ‘nulla poena sine judicio’ exprime, no
plano do processo penal condenatório, a fórmula de salvaguarda da liberdade
individual.”
(RTJ 161/264-266, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
Isso significa, portanto, que a estrita
observância da forma processual representa garantia plena de liberdade e de
respeito aos direitos e prerrogativas que o ordenamento positivo confere a
qualquer pessoa sob persecução penal.
Sendo assim, tendo presentes as razões expostas,
defiro o pedido de medida liminar, em ordem a suspender, cautelarmente, em
relação aos ora pacientes, até final julgamento da presente ação de “habeas
corpus”, o curso do Processo-crime nº 02/2009, ora em tramitação perante o
Juízo da 203ª Zona Eleitoral de Viradouro/SP (Processo-crime nº 02/2009),
sustando-se, inclusive, caso já proferida, a eficácia de eventual sentença
penal condenatória.
Comunique-se, com urgência, o teor da presente
decisão, com o encaminhamento da respectiva cópia, ao eminente Senhor
Presidente do E. Tribunal Superior Eleitoral (HC 2825-59.2010.6.00.0000/SP) e
ao MM. Juiz da 203ª Zona Eleitoral de Viradouro/SP (Processo-crime nº 02/2009).
Publique-se.
Brasília, 28 de outubro de 2011.
Ministro CELSO DE MELLO
Relator
*decisão publicada no DJe de 7.11.2011.
OUTRAS INFORMAÇÕES
19 a 23 de março de 2012
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF)
Prazo processual - feriado forense
Portaria n. 94/STF, de 19.3.2012 - Comunica que
não haverá expediente na Secretaria do Tribunal nos dias 4, 5 e 6 de abril de
2012 (Semana Santa) e que os prazos que porventura devam iniciar-se ou
completar-se nesses dias ficam automaticamente prorrogados para o dia 9
subsequente (segunda-feira). Publicada do DJE/STF, n. 60, p. 132 em 23/3/2012.
Princípio da insignificância e furto qualificado
A 1ª Turma, por maioria, denegou habeas corpus em que se requeria a
incidência do princípio da insignificância em favor de condenado por tentativa
de furto qualificado de impressora avaliada em R$ 250,00. Destacou-se não ser
de bagatela o valor do objeto em comento, consistente em dois terços do salário
mínimo vigente à época.
Vencida a Min. Rosa Weber,
que deferia o writ ante a ausência de tipicidade penal. Salientava, ainda,
desconsiderar aspectos vinculados à culpabilidade, à vida pregressa ou à
reincidência na análise da aplicação desse postulado.
Juiz aposentado: vitaliciedade e prerrogativa de foro - 5
O foro especial por prerrogativa de
função não se estende a magistrados aposentados. Essa a conclusão do Plenário
ao, por maioria, negar provimento a recurso extraordinário, afetado ao Pleno pela 1ª
Turma, no qual desembargador aposentado insurgia-se contra decisão da Corte
Especial do STJ, que declinara de sua competência para julgar ação penal contra
ele instaurada, pois não teria direito à referida prerrogativa pelo
encerramento definitivo da função — v. Informativos 485, 495 e 585.
Aduziu-se que a pretensão do recorrente
esbarraria em orientação jurisprudencial fixada pelo Supremo no sentido de que:
a) o foro especial por prerrogativa de
função teria por objetivo o resguardo da função pública; b) o
magistrado, no exercício do ofício judicante, gozaria da prerrogativa de foro
especial, garantia voltada não à pessoa do juiz, mas aos jurisdicionados; e c) o foro especial, ante a
inexistência do exercício da função, não deveria perdurar, haja vista que a
proteção dos jurisdicionados, nesse caso, não seria mais necessária.
Ressaltou-se,
ainda, que o provimento vitalício seria o ato que garantiria a permanência do
servidor no cargo, aplicando-se apenas aos integrantes das fileiras ativas
da carreira pública. Consignou-se não haver se falar em parcialidade do
magistrado de 1ª instância para o julgamento do feito, porquanto a lei
processual preveria o uso de exceções capazes de afastar essa situação.
Enfatizou-se,
também, cuidar-se de matéria de direito estrito que teria por destinatários
aqueles que se encontrassem in officio, de modo a não alcançar os que não mais
detivessem titularidades funcionais no aparelho de Estado. Assinalou-se, outrossim, que essa prerrogativa seria estabelecida
ratione muneris e destinar-se-ia a compor o estatuto jurídico de determinados
agentes públicos enquanto ostentassem essa particular condição funcional.
Juiz aposentado: vitaliciedade e prerrogativa de foro - 6
Vencidos os Ministros Menezes Direito,
Eros Grau, Gilmar Mendes e Cezar Peluso, Presidente, que davam provimento ao
recurso. O primeiro, na ocasião, ao salientar a vitaliciedade do magistrado,
afirmava que se este, sob qualquer situação, em qualquer instância, exercesse
atividade judicante, teria de possuir, até por princípio de responsabilidade do
sistema constitucional, a proteção que a Constituição lhe asseguraria (CF, art.
95, I). Mencionava, ademais, dispositivo constante do Estatuto de Roma, que aprovou
o Estatuto do Tribunal Penal Internacional, integrado pela adesão brasileira e
relativo à garantia dos juízes que dele fizessem parte (“Artigo 48º... 2 - Os
juízes, o procurador, os procuradores-adjuntos e o secretário gozarão, no
exercício das suas funções ou em relação a estas, dos mesmos privilégios e
imunidades reconhecidos aos chefes das missões diplomáticas, continuando a
usufruir de absoluta imunidade judicial relativamente às suas declarações,
orais ou escritas, e aos atos que pratiquem no desempenho de funções oficiais
após o termo do respectivo mandato”). O segundo, por sua vez, reconhecia que,
relativamente aos magistrados, a prerrogativa seria do cargo, vitalício, que
pereceria unicamente em virtude de sentença judicial transitada em julgado. O
terceiro afastava a assertiva de tratar-se de privilégio e destacava a
importância da manutenção da prerrogativa, tendo em conta a presunção de que
órgãos com dada estatura e formação estariam menos suscetíveis a eventuais
populismos judiciais que pudessem afetar a própria imparcialidade, a exemplo de
corregedores virem a ser julgados pelos respectivos tribunais. O Presidente
adotava posição intermediária, por reconhecer a subsistência da prerrogativa
quando dissesse respeito a atos praticados no exercício da função e em virtude
desta, o que ocorreria na espécie. Alguns precedentes citados: HC 80717/SP (DJU
de 5.3.2001); Inq 687 QO/SP (DJU de 9.11.2001); RE 291485/RJ (DJU de
23.4.2003).
Ao aplicar os fundamentos
acima expendidos, o Plenário, em votação majoritária, negou provimento a
recurso extraordinário em que se questionava situação análoga, vencidos os
Ministros Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Cezar Peluso, Presidente.
PRIMEIRA TURMA
A 1ª Turma, por maioria, denegou habeas corpus em que se requeria a incidência
do princípio da insignificância em favor de condenado por tentativa de furto
qualificado de impressora avaliada em R$ 250,00. Destacou-se não ser de
bagatela o valor do objeto em comento, consistente em dois terços do salário
mínimo vigente à época. Vencida a Min. Rosa Weber, que deferia o writ ante a
ausência de tipicidade penal. Salientava, ainda, desconsiderar aspectos
vinculados à culpabilidade, à vida pregressa ou à reincidência na análise da
aplicação desse postulado.
STF:
Quinta-feira, 22 de março de 2012
STF nega prerrogativa
de foro a desembargadores aposentados
O Plenário do Supremo Tribunal
Federal (STF) negou provimento a dois Recursos Extraordinários (RE 546609 e RE
549560) interpostos por desembargadores aposentados que pretendiam o
reconhecimento do direito ao foro por prerrogativa de função após a
aposentadoria. Nos dois casos, a decisão foi por maioria.
O RE 549560, cujo julgamento
iniciou-se em maio de 2010 e foi suspenso para aguardar a composição completa
da Corte, foi interposto por um desembargador aposentado do Estado do Ceará que
respondia a ação penal por supostos delitos praticados no exercício da
função.
Devido à prerrogativa de foro, a ação penal foi instaurada pela Corte Especial
do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Após a jubilação do desembargador, o
relator da ação remeteu os autos à Justiça Estadual do Ceará. Em situação
semelhante, no RE 546609, um desembargador do Tribunal de Justiça do Distrito
Federal e Territórios (TJDFT) respondia, também no STJ, a ação penal por
suposta participação em esquema para a liberação de preso acusado de tráfico de
drogas. Com a aposentadoria, o STJ remeteu os autos à Justiça Criminal de
primeiro grau do DF.
Nos recursos ao STF, as defesas dos
dois desembargadores pretendiam o reconhecimento do direito a que as ações
penais continuassem a ser julgadas pelo STJ. A alegação principal era a de que
o cargo do magistrado, de acordo com o inciso I do artigo 95 da Constituição da
República, é vitalício. Isso garantiria ao magistrado a vitaliciedade mesmo
após a aposentadoria e, consequentemente, o direito à prerrogativa de foro no
julgamento de casos ocorridos no exercício da função de magistrado mesmo após o
jubilamento.
O relator dos dois REs, ministro
Ricardo Lewandowski, reiterou o voto proferido em 2010 no sentido de que a
prerrogativa de foro somente se aplica aos membros ativos da carreira. “A
vitaliciedade dos magistrados brasileiros não se confunde, por exemplo, com a
‘life tenure’ garantida a certos juízes norte-americanos, que continuam no
cargo enquanto bem servirem ou tiverem saúde para tal”, assinalou. “Para nós,
no entanto, os juízes podem ser afastados do cargo por vontade própria,
sentença judiciária, disponibilidade e aposentadoria voluntária ou
compulsória”.
A prerrogativa, segundo o ministro
Lewandowski, não deve ser confundida com privilégio. “O foro por prerrogativa
de função do magistrado existe para assegurar o exercício da jurisdição com
independência e imparcialidade”. Num paralelo com a imunidade dos
parlamentares, seu voto assinala que se trata, antes, de uma garantia dos
cidadãos e, só de forma reflexa, de uma proteção daqueles que, temporariamente,
ocupam certos cargos no Judiciário ou no Legislativo – ou seja, “é uma
prerrogativa da instituição judiciária, e não da pessoa do juiz”.
Seu voto foi seguido, nos dois
recursos, pelos ministros Rosa Weber, Cármen Lúcia, Joaquim Barbosa, Ayres Britto,
Marco Aurélio e Celso de Mello. Ficaram vencidos, no RE 549560, os ministros
Eros Grau e Menezes Direito (que participaram da primeira sessão de julgamento,
em 2010) e Gilmar Mendes e Cezar Peluso. No RE 546609, ficaram vencidos os
ministros Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Cezar Peluso. O ministro Luiz Fux, que
participou do julgamento quando integrante da Corte Especial do STJ, estava
impedido.
Quinta-feira, 22 de março de 2012
STF confirma envio
para primeira instância de ação penal de ministro aposentado do STJ
O Plenário do Supremo Tribunal
Federal (STF) negou provimento aos agravos regimentais na Ação Penal (AP 552) e
no Inquérito (INQ 2811) apresentados pelo ministro aposentado do Superior
Tribunal de Justiça (STJ) Paulo Medina e outros acusados contra decisão
monocrática do ministro Gilmar Mendes, que determinou a remessa dos autos à
Seção Judiciária do Rio de Janeiro em razão da perda da prerrogativa de foro
assegurada constitucionalmente aos magistrados. Na sessão desta quinta-feira
(22), foi determinada a imediata baixa dos autos à Justiça Federal fluminense,
vencido o ministro Marco Aurélio.
O ministro Gilmar Mendes determinou a
baixa dos autos com base no entendimento firmado pelo STF a partir do
julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs 2797 e 2860), nas
quais a Corte declarou a inconstitucionalidade dos parágrafos 1º e 2º do artigo
84 do Código de Processo Penal (CPP), que estabeleciam prorrogativa de foro
para ex-detentores de cargo público por ato de improbidade administrativa (Lei
10.628/2002). Com a decisão, as ex-autoridades passaram a ser julgadas pela
instância judicial competente, de acordo com a natureza do ato.
O relator enfatizou a conclusão, na
sessão de hoje, do julgamento dos Recursos Extraordinários (REs 546609 e
549560), nos quais foi decidido que os magistrados que se aposentam perdem a
prerrogativa de foro. “Considerando o decidido nos REs 549560 e 546609 nesta
data, pelo Plenário, e reafirmando a orientação jurisprudencial, é o caso de
negar-se provimento aos agravos interpostos”, afirmou o ministro Gilmar Mendes.
STJ:
DECISÃO
Carência não pode ser invocada para eximir
seguradora do tratamento de doença grave
Não
é possível à seguradora invocar prazo de carência contratual para restringir o
custeio de procedimentos de emergência,
relativos a tratamento de tumor cerebral que acomete o beneficiário do seguro.
O entendimento é da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao
acolher o recurso de um segurado, representado por sua mãe, contra a Sul América
Companhia de Seguro Saúde.
Trata-se de ação baseada em contrato de seguro de assistência à saúde, em que a
Sul América foi condenada, em primeira instância, a custear todos os
procedimentos quimioterápicos, cirúrgicos, hospitalares e correlatos, relativos
a menor com tumor diagnosticado no cérebro, até a cessação e extirpação da
moléstia.
A seguradora havia se negado a pagar os procedimentos, ao argumento de que o
menor consta no grupo de carência 2 do contrato, estando submetido ao prazo de
carência de 180 dias a partir da adesão ao seguro. O menor entrou como
dependente do seu pai em 25 de setembro de 2002 e o diagnóstico do tumor foi
dado em 10 de janeiro de 2003. A cirurgia emergencial, custeada pelos seus
pais, foi feita em 21 de janeiro de 2003.
O Tribunal de Justiça de São Paulo, ao julgar a apelação da seguradora,
considerou válida a cláusula que estabeleceu prazo de carência, mesmo porque
estava de acordo com os limites impostos na legislação específica. “Ademais, no
momento da contratação, foi dada ciência ao representante legal do menor da
mencionada cláusula restritiva”, afirmou a decisão.
Entretanto, o tribunal estadual entendeu que a seguradora tinha obrigação de
arcar com as despesas de internação nas primeiras 12 horas de atendimento,
incluindo todos os exames solicitados antes da cirurgia, mesmo porque não havia
motivos para a negativa, uma vez que foram solicitados assim que ocorreu a
internação do menor.
Cláusulas abusivas
A defesa do menor recorreu ao STJ
alegando que, ao contrário do entendimento do TJSP, o artigo 35-C da Lei
9.656/98 não limita o custeio dos procedimentos de urgência ou emergência às
primeiras 12 horas de internação.
Sustentou que o titular do seguro aderiu
a plano hospitalar e que Resolução 13 do Conselho de Saúde Complementar
estabelece que, nos contratos de plano hospitalar, deve haver cobertura aos
atendimentos de urgência e emergência que evoluírem para internação, desde a
admissão do paciente até a sua alta.
A defesa expôs, ainda, que o contrato de
adesão tem cláusulas abusivas, limitativas do direito do consumidor.
Em seu voto, o relator do recurso, ministro Luis Felipe Salomão, ressaltou que
é possível a estipulação contratual de prazo de carência, conforme o artigo 12
da Lei 9.656. Entretanto, o ministro lembrou que o inciso V da mesma lei
estabelece o prazo máximo de 24 horas para cobertura dos casos de urgência e
emergência.
Segundo Salomão, os contratos de
seguro e assistência à saúde são pactos de cooperação e solidariedade, cativos
e de longa duração, regidos pelo princípio da boa-fé objetiva e pela função
social, com o objetivo principal de assegurar ao consumidor tratamento e
segurança.
“O Código de Defesa do Consumidor prevê a necessidade da adequação dos
produtos e serviços à legítima expectativa que o consumidor tem de, em caso de
pactuação de contrato oneroso de seguro de saúde, não ficar desamparado, no que
tange a procedimento médico premente e essencial à preservação de sua vida”,
afirmou Salomão. Assim, acompanhando o voto do relator, a Quarta Turma
restabeleceu a sentença em todos os seus aspectos.
DECISÃO
Sexta Turma reafirma dispensa de representação em
caso de estupro com violência real
Nos
crimes de estupro praticados com emprego de violência real, a ação penal é
pública incondicionada, não sendo possível
alegar decadência do direito de representação, nem ilegitimidade do Ministério
Público para a propositura da ação. Com base nesse entendimento, a Sexta Turma
do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou habeas corpus que pretendia trancar
ação penal por estupro contra um acusado que já responde por dois homicídios –
todos os crimes praticados no mesmo dia.
Os fatos ocorreram em 24 de abril de 2006. Segundo apurado, após discutir com a
companheira no local onde moravam, o acusado a esfaqueou, produzindo os
ferimentos que viriam a causar sua morte. Em seguida, invadiu o cômodo dos
vizinhos com a companheira ensanguentada e desfalecida nos ombros. Largou-a
junto à porta e passou a agredir o vizinho, que morreu por causa das facadas. A
vizinha tentou fugir do agressor, mas foi ameaçada com a faca e constrangida à
prática de sexo.
A denúncia foi recebida em março de 2007 e o réu foi pronunciado na ação penal
em curso na Vara do Tribunal do Júri de São Bernardo do Campo (SP), acusado da
prática de crimes de homicídio (duas vezes) e estupro. A defesa recorreu,
sustentando, entre outras coisas, a ilegitimidade ativa do Ministério Público
para processar o acusado pelo crime de estupro, ante a decadência do direito de
representação da vítima. O recurso foi rejeitado.
No habeas corpus dirigido ao STJ, a defesa apresentou a mesma alegação, de que
a manifestação da vítima – quanto à intenção de processar o acusado por estupro
– e a respectiva declaração de hipossuficiência seriam intempestivas, pois
foram juntadas aos autos apenas em 19 de fevereiro de 2009, quase três anos
após o crime.
Ainda segundo a defesa, o processo transcorreu sem que o Ministério Público
fosse legitimado para a ação, pois o termo de representação e a declaração de
pobreza da vítima só foram colhidos por ocasião do encerramento da instrução
criminal, quando o próprio órgão acusatório percebeu a omissão processual.
Requereu, então, o trancamento parcial da ação penal, no que se referia ao
crime de estupro, em razão da decadência do direito de representação da vítima.
No seu parecer, o Ministério Público Federal opinou pela rejeição do
pedido.
Jurisprudência
Em decisão unânime, a Sexta Turma negou o pedido para trancar a ação penal. O
relator do caso, ministro Sebastião Reis Júnior, lembrou que o crime ocorreu em
2006 e a denúncia foi recebida em 2007, antes, portanto, da promulgação da Lei
12.015/09, que alterou o Código Penal da parte relativa aos crimes sexuais. “As condições da ação devem ser analisadas
à luz da legislação anterior”, disse ele, acrescentando que, em tal
contexto, não se pode falar em decadência do direito de representação da
vítima.
Na legislação anterior, o processo penal por estupro competia à
própria vítima, mas o Ministério Público podia assumir a ação se ela não
tivesse meios de arcar com as despesas – caso em que se exigia representação da vítima pedindo essa providência.
A Lei 12.015 estabeleceu que a ação
penal é pública, a cargo do MP, mas ainda condicionada à representação da
vítima.
No
entanto,
segundo o ministro Sebastião Reis Júnior, a jurisprudência do STJ e do Supremo
Tribunal Federal (STF) adotou o entendimento de que, nas situações de estupro cometido com emprego de violência real, a ação
penal é pública incondicionada – ou seja, o Ministério Público deve
agir independentemente de representação da vítima.
“Se há indícios de emprego de
violência e grave ameaça contra a ofendida, inclusive com o uso de faca, é desnecessário discutir se o termo de
representação e a declaração de hipossuficiência são extemporâneos”,
assinalou o relator. Ele observou ainda que não há forma rígida para a
representação – quando necessária –, bastando a manifestação inequívoca da
vítima no sentido de que o autor do crime seja processado.
Para o ministro, a providência de colher a aquiescência da vítima – tomada ao
término da instrução criminal – deu-se por mera cautela do Ministério Público. “Mesmo que se entendesse imprescindível a
representação, a intenção da ofendida para a apuração da responsabilidade já
foi demonstrada, pois as suas atitudes após o evento delituoso, como o
comparecimento à delegacia e a realização de exame pericial, servem para
validar o firme interesse na propositura da ação penal”, disse ele.
DECISÃO
Julgador não pode ignorar falta de curador para réu
revel mesmo convicto do mérito da ação
Ainda que tenha
convicção formada sobre o mérito da ação, o julgador não pode desconsiderar
eventual irregularidade do processo de citação, mesmo se alegada após o
julgamento, em embargos de declaração. A decisão é da Terceira Turma do
Superior Tribunal de Justiça (STJ).
O processo envolve compra e venda de imóvel rural de cerca de 250 mil hectares,
à beira do rio Purus, por R$ 300 mil, em 1998. O caso trata, ironicamente, de
ação rescisória que considerou nulo processo de rescisão contratual por falta
de pressuposto processual válido.
Para o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), mesmo que os réus da ação
rescisória tivessem sido citados, não poderiam suprir a nulidade da ação
original, que o TJ considerou ajuizada, processada e julgada de forma
irregular, já que proposta por mandatário sem procuração para constituir
advogado ou representar os autores em juízo.
Eram 23 réus, mas apenas sete foram citados pessoalmente. Os demais, ou seus
espólios, foram citados por edital. Destes, alguns só tiveram oportunidade de
se manifestar, pela primeira vez no processo, nos embargos de declaração, após
o julgamento pelo TJSP.
Nos embargos, alegaram que a citação
por edital seria incabível porque os réus ou os inventariantes de seus espólios
tinham endereço certo. Alegaram ainda que, mesmo incidindo a revelia, deveria
ter ocorrido a nomeação de curador especial para os réus, o que não aconteceu.
Pressupostos
O TJSP rejeitou os embargos dos reveis da rescisória afirmando que a ação
original foi processada “sem a observância de pressuposto processual para seu
válido desenvolvimento”.
A ministra Nancy Andrighi considerou, porém, que o julgamento da ação
rescisória pelo TJSP incorreu em falha idêntica. “A citação constitui
pressuposto de eficácia de formação do processo em relação ao
réu, bem como requisito de validade dos atos processuais que lhe seguirem”,
afirmou.
A relatora também apontou jurisprudência do STJ segundo a qual, diante da
excepcionalidade da citação ficta por edital, é necessária a nomeação de curador
especial para os réus reveis. “A despeito disso, na hipótese específica dos
autos, o TJSP considerou desnecessário aferir a regularidade da citação dos réus
e a inexistência de nomeação de curador, afirmando que, independentemente do
cumprimento dessas formalidades, não estaria suprido o vício por ele reconhecido
para julgar procedente o pedido rescisório”, esclareceu.
Preliminares
“Ao assim decidir, o TJSP incorreu em
clara inversão da sistemática processual, partindo diretamente para a análise
da procedência ou não do pedido (mérito), sem antes verificar questões de
natureza preliminar, consistentes na presença de pressupostos de eficácia da
formação do processo em relação aos réus. Mais do que isso, colocou a
procedência do pedido como condição capaz de superar deficiência que fulmina a
própria eficácia do processo”, concluiu.
Segundo a relatora, mesmo tendo convicção
sobre a anulabilidade da decisão original, o TJSP teria que confirmar a
regularidade do processo que julgava. “O
fato de, na visão do tribunal estadual, existir fundamento suficiente para a
procedência do pedido, não o autoriza a dispensar a oportunidade de
apresentação da contestação ou a nomeação de curador, corolários dos princípios
constitucionais do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal,
garantias inerentes a um estado democrático de direito”,
acrescentou.
A ministra apontou que a recusa do
TJSP em apreciar a nulidade apontada pelos réus configura negativa de prestação
jurisdicional, o que justifica
a anulação do acórdão nos embargos de declaração e sua devolução ao tribunal,
para que os julgue novamente.
Excepcionalidade
A relatora ainda ressaltou que a
citação por edital é excepcionalidade que, para ser admitida, depende de
análise criteriosa do julgador sobre a impossibilidade de conhecer o paradeiro
dos réus. Sem avançar quanto ao mérito sobre o ponto, a ministra
indicou, porém, indícios da verossimilhança das alegações dos réus revéis.
A ministra apontou como exemplo certidão do próprio TJSP de que seu cartório
não localizou a citação de um deles. Outro exemplo foi certidão de oficial de
Justiça segundo a qual uma ré deixou de ser citada porque estava em sua
fazenda, de onde seguiu diretamente para a capital e de lá para o Ceará, de
onde não retornaria “antes de início de dezembro”. “Em situações como essa
cabe, a rigor, a citação por hora certa e não por edital”, asseverou a
ministra.
30.05.12.
DECISÃO
Banco não deve indenizar esposa que teve assinatura
falsificada pelo marido em contrato
A Segunda Seção do
Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve decisão que declarou nula hipoteca
de imóvel dado em garantia de empréstimo, devido à falsificação da assinatura
da esposa do devedor, bem como afastou a condenação do Banco do Brasil ao
pagamento de danos materiais e morais.
A esposa ajuizou ação ordinária contra o Banco do Brasil sustentando que,
mediante a falsificação de sua assinatura, o apartamento de sua propriedade foi
dado em garantia (hipoteca) de empréstimo concedido pelo banco a uma
agropecuária, por meio de contrato de cédula comercial. O marido da autora era
um dos sócios da empresa e seria o responsável pela falsificação. Assim, ela
pediu o reconhecimento da nulidade do contrato, bem como da garantia nele
prestada.
O juízo da 2ª Vara Cível de Muriaé (MG) declarou a inexistência do contrato
apenas em relação à esposa, determinando o cancelamento da hipoteca do imóvel,
bem como a sua reintegração na posse do apartamento. Condenou, ainda, o Banco
do Brasil ao pagamento dos danos materiais sofridos por ela (mudança, aluguel e
outras despesas), bem como “ao pagamento da quantia equivalente a duas vezes o
valor pago na arrematação do imóvel, corrigida monetariamente, a título de
danos morais”.
O banco apelou e o Tribunal de Justiça de Minas Gerais tornou subsistente a
hipoteca, somente em relação à parte do sócio-devedor (marido da autora), e
afastou a condenação em danos materiais e morais. Entretanto, a decisão do
tribunal estadual julgou procedente a ação para condenar o Banco do Brasil a
pagar à esposa a importância correspondente à metade do valor do imóvel,
acrescido de juros de 0,5% ao mês, contados a partir da citação.
Rescisória
A Terceira Turma do STJ, ao julgar o recurso especial da esposa do devedor,
declarou nula a hipoteca, mas sem o restabelecimento das condenações
acessórias.
Inconformada, a esposa ajuizou ação rescisória com o objetivo de rescindir a
decisão do colegiado, uma vez que “incorreu em inequívoco erro de fato, este
consistente no não estabelecimento das condenações acessórias reconhecidas na
sentença”.
Para o relator da ação rescisória, ministro Massami Uyeda, “o reconhecimento da
nulidade da garantia ofertada não implica, necessariamente, a procedência das
pretensões indenizatórias”.
“As instâncias ordinárias,
efetivamente, concluíram pelo reconhecimento da falsificação da assinatura da
esposa, o que, segundo a decisão final prolatada por esta augusta Corte,
tornaria nula a hipoteca ofertada.
Este desfecho,
entretanto, de forma alguma enseja a condenação do banco ao pagamento de
qualquer verba indenizatória, na circunstância de a falsificação da assinatura
não ter sido expressamente atribuída à instituição financeira, caso dos autos”,
afirmou o ministro.
Segundo ele, o acórdão da Terceira
Turma não abordou o pedido indenizatório – que havia sido afastado pelo
tribunal estadual – simplesmente porque essa questão não foi levantada no
recurso especial interposto pela esposa.
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