08/04/2012 -
08h00
ESPECIAL
Vício redibitório e CDC, os vários caminhos para
desfazer um mau negócio
Muitas pessoas já depararam
com a seguinte situação: adquiriram um bem por meio de contrato, por exemplo,
um contrato de compra e venda, e depois de algum tempo descobriram que o objeto
desse contrato possuía defeito ou vício – oculto no momento da compra – que o
tornou impróprio para uso ou diminuiu-lhe o valor.
Casos de vícios em imóveis ou
em automóveis são bastante recorrentes.
Para regular tal situação, o Código Civil (CC) prevê a redibição (daí o termo
vício redibitório), que é a anulação judicial do contrato ou o abatimento no
seu preço.
Os casos de vício redibitório
são caracterizados quando um bem adquirido tem seu uso comprometido por um
defeito oculto, de tal forma que, se
fosse conhecido anteriormente por quem o adquiriu, o negócio não teria sido
realizado.
Além da anulação do contrato, o CC prevê no artigo 443 a indenização por
perdas e danos.
Se o vício já era conhecido
por quem transferiu a posse do bem, o valor recebido deverá ser restituído,
acrescido de perdas e danos; caso
contrário, a restituição alcançará apenas o valor recebido mais as despesas do
contrato.
De caráter bem mais abrangente, o Código de Defesa do Consumidor (CDC)
representou grande evolução para as relações de consumo e ampliou o leque de
possibilidades para a solução de problemas, incluindo os casos de vícios
redibitórios.
A lei de proteção ao
consumidor preza “pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados
de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho”, conforme prevê o artigo
4º, inciso II, alínea d.
Desde 1990, quando foi promulgado o CDC, o
instituto do vício redibitório perdeu espaço na proteção dos direitos do
consumidor.
O código consumerista impõe
responsabilidade ampla ao fornecedor diante de defeitos do produto ou do
serviço, independentemente das condições que a lei exige para o reconhecimento
do vício redibitório – como, por exemplo, a existência de contrato ou o
fato de o vício ser oculto e anterior ao fechamento do negócio.
No entanto, o instituto do vício redibitório continua relevante nas situações
não cobertas pelo CDC, como são as transações entre empresas (desde que não
atendam às exigências do código para caracterizar relação de consumo) e muitos
negócios praticados entre pessoas físicas.
Em diversos julgamentos, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem interpretado
as disposições do CC e do CDC no que diz respeito aos vícios redibitórios.
Acompanhe alguns pronunciamentos do Tribunal acerca do assunto.
Vício redibitório x vício de
consentimento
A Terceira Turma do STJ, ao julgar o REsp 991.317, estabeleceu
a distinção entre vício redibitório e vício de consentimento,
advindo de erro substancial.
Para a ministra Nancy
Andrighi, relatora do recurso, o tema é delicado e propício a confusões,
principalmente pela existência de teorias que tentam explicar a
responsabilidade pelos vícios redibitórios sustentando que derivam da própria ignorância
de quem adquiriu o produto.
Naquele processo, foi adquirido um lote de sapatos para revenda. Os primeiros
seis pares vendidos apresentaram defeito (quebra do salto) e foram devolvidos
pelos consumidores. Diante disso, a venda dos outros pares foi suspensa para
devolução de todo o lote, o que foi recusado pela empresa fabricante.
Em segunda instância, a hipótese foi considerada erro substancial.
Segundo acórdão do Tribunal de
Justiça de Minas Gerais (TJMG), a razão exclusiva do consentimento do comprador
do lote de sapatos era “a certeza de que
as mercadorias adquiridas possuíam boa qualidade, cuja inexistência justifica a
anulação da avença”.
Entretanto, no entendimento da ministra Nancy
Andrighi, quem adquiriu o lote de sapatos não incorreu em erro substancial,
pois recebeu exatamente aquilo que pretendia comprar. A relatora entendeu que
“os sapatos apenas tinham defeito oculto nos saltos, que os tornou impróprios
para o uso”.
“No vício redibitório o contrato é firmado tendo em vista um
objeto com atributos que, de uma forma geral, todos confiam que ele contenha.
Mas, contrariando a expectativa normal, a
coisa apresenta um vício oculto a ela peculiar, uma característica
defeituosa incomum às demais de sua espécie”, disse a ministra.
Segundo ela, os vícios redibitórios não
são relacionados à percepção inicial do agente, mas à presença de uma
disfunção econômica ou de utilidade no objeto do negócio.
“O erro substancial alcança a vontade do contratante, operando subjetivamente em sua esfera
mental”, sustentou.
Prazo para reclamar
Em relação aos vícios ocultos, o CDC dispõe no artigo 26, parágrafo 3º, que o
prazo para que o consumidor reclame inicia-se no momento em que ficar
evidenciado o defeito.
No julgamento do REsp 1.123.004, o ministro Mauro
Campbell entendeu que, caracterizado vício oculto, o prazo decadencial inicia a
partir da data em que o defeito for evidenciado, ainda que haja uma garantia
contratual. Contudo, não se pode abandonar o critério da vida
útil do bem durável, para que o
fornecedor não fique responsável por solucionar o vício eternamente.
Diante disso, o ministro reformou decisão que considerou afastada a
responsabilidade do fornecedor do produto, nos casos em que o defeito for
detectado após o término do prazo de garantia legal ou contratual.
No REsp 1.171.635, o desembargador convocado Vasco Della Giustina, da Terceira
Turma, concluiu que a inércia do
consumidor em proceder à reclamação dentro do prazo de caducidade autoriza a
extinção do processo com resolução do mérito, conforme orienta o artigo
269, inciso IV, do Código de Processo Civil (CPC).
O consumidor adquiriu dois triciclos e,
menos de um mês depois, descobriu certo problema no seu funcionamento. Depois
de idas e vindas buscando uma solução, passados seis meses, registrou
reclamação no Procon. Somente após mais de um ano, o consumidor intentou ação
judicial.
“Esta Corte Superior já se manifestou
pela inexistência de ilegalidade, quando o inconformismo do consumidor ocorre
em data superior ao prazo de decadência”, afirmou o relator.
Quem responde?
No julgamento do REsp 1.014.547, a Quarta Turma decidiu que a responsabilidade
por defeito constatado em automóvel, adquirido
por meio de financiamento bancário, é exclusiva do vendedor, pois o
problema não se relaciona às atividades da instituição financeira.
Uma consumidora adquiriu uma Kombi usada, que apresentou defeitos antes do término
da garantia – 90 dias. O automóvel havia sido adquirido por meio de uma
entrada, paga diretamente à revendedora, e o restante financiado pelo Banco
Itaú.
A consumidora ingressou em juízo e, em primeira instância, obteve a rescisão do
contrato de compra e venda, bem como do financiamento firmado com o banco.
Ambos foram condenados solidariamente a restituírem os valores das parcelas
pagas e, além disso, a revendedora foi condenada a indenizar a autora por danos
morais. O Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDF) manteve a sentença.
Inconformado, o Banco Itaú recorreu ao STJ e apontou violação dos artigos 14 e
18 do CDC. Sustentou que o contrato de financiamento seria distinto do de
compra e venda do veículo, firmado com a empresa revendedora. Sendo assim, os
defeitos seriam referentes ao veículo e isso não importaria nenhum vício no
contrato de financiamento.
Segundo o ministro João Otávio de Noronha, a
instituição financeira não pode ser tida por fornecedora do bem que lhe foi
ofertado como garantia de financiamento. O
ministro explicou que as disposições do CDC incidem sobre a instituição
bancária apenas na parte referente aos serviços que presta, ou seja, à sua
atividade financeira.
Para ele, a consumidora formalizou dois
contratos distintos. “Em relação ao contrato de compra e venda do veículo e o
mútuo com a instituição financeira, inexiste, portanto, acessoriedade, de sorte
que um dos contratos não vincula o outro nem depende do outro”, sustentou.
Imóveis
Já em relação a defeitos existentes em imóvel financiado pela Caixa
Econômica Federal (CEF), a Quarta Turma decidiu, ao julgar o REsp 738.071, que
a instituição financeira era parte legítima para responder, juntamente com a
construtora, por vícios na construção do imóvel cuja obra foi por ela
financiada com recursos do Sistema Financeiro de Habitação (SFH).
A CEF recorreu ao STJ argumentando que não teria responsabilidade solidária
pelos vícios de construção existentes no imóvel, localizado no Conjunto
Habitacional Ângelo Guolo, em Cocal do Sul (SC), destinado a moradores de baixa
renda.
O ministro Luis Felipe Salomão, relator do recurso especial, explicou que a
legitimidade passiva da instituição financeira não decorreria simplesmente do
fato de haver financiado a obra, mas de ter provido o empreendimento, elaborado
o projeto com todas as especificações, escolhido a construtora e de ter
negociado diretamente, dentro do programa de habitação popular.
Segundo entendimento majoritário da Quarta Turma nesse julgamento, a responsabilidade da CEF em
casos que envolvem vícios de construção em imóveis financiados por ela deve ser
analisada caso a caso, a partir da regulamentação aplicável a cada tipo
de financiamento e das obrigações assumidas pelas partes envolvidas.
09/04/2012 -
11h03
DECISÃO
Relatora admite reclamação contra valor excessivo em
multa aplicada por juizado especial.
A ministra Isabel Gallotti, do
Superior Tribunal de Justiça (STJ), admitiu o processamento de reclamação que
aponta excesso no valor de multa cominatória (astreintes) aplicada pela Justiça
especial estadual. A reclamação foi apresentada pela empresa Global Village
Telecon (GVT), condenada a cumprir determinada ordem judicial, sob pena de
multa diária no valor de R$ 500.
Inconformada com a decisão da Segunda Turma Recursal Mista da 3ª Região
Judiciária de Anápolis (GO), a empresa recorreu ao STJ alegando que o valor da
multa fixada já chega ao montante de R$ 537 mil, contrariando, com isso, a jurisprudência do Tribunal, pois afronta o
princípio da razoabilidade e promove o enriquecimento sem causa da outra parte.
A empresa afirma ainda que, de acordo com o disposto no parágrafo 6º do artigo
461 do Código de Processo Civil e com precedentes do STJ, existe a possibilidade de modificação do valor da multa, caso a Justiça
o considere insuficiente ou excessivo.
Para ministra Isabel Gallotti, na decisão da turma recursal está clara a
existência de valor exorbitante, uma vez que o montante ultrapassa a alçada do
juizado especial cível, que tem competência para causas de até 40 salários
mínimos, segundo a Lei 9.099/95.
“A interpretação sistemática dos dispositivos da Lei 9.099 conduz à limitação
da competência do juizado especial para cominar – e executar – multas
coercitivas em valores consentâneos com a alçada respectiva. Se a obrigação é
tida pelo autor, no momento da opção pela via do juizado especial, como de
baixa complexidade, a demora em seu cumprimento não deve resultar em valor
devido a título de multa superior ao valor da alçada”, disse a ministra.
Isabel Gallotti observou ainda que o STJ
tem entendimento firmado no sentido de que a multa cominatória pode ser revista
a qualquer momento, caso seja constatado valor insuficiente ou excessivo. “O
valor executado a título de multa excedente à alçada deve ser, pois, suprimido,
sem que tal constitua ofensa à coisa julgada”, concluiu.
Na análise da ministra, o caso revela ainda risco de dano iminente, pois a
empresa poderá ter que pagar a multa a qualquer momento. Diante disso, concedeu parcialmente a liminar requerida pela
reclamante, para limitar a possibilidade de execução da multa ao valor de 40
salários mínimos.
06.07.12.
STJ:
04/07/2012 -
07h58
DECISÃO
Penhora não atinge bem de família que garante dívida
de empresa pertencente a um dos cônjuges
O imóvel onde a família vive é
impenhorável no caso de ter sido oferecido como garantia de dívida de terceiro
(ainda que seja empresa com a qual a família tenha vínculo) e não como garantia
de dívida da entidade familiar. Esse foi o entendimento da Quarta Turma do
Superior Tribunal de Justiça (STJ) no julgamento do recurso especial interposto
por um casal que teve seu imóvel penhorado.
O Banco Tricury, de São Paulo, moveu ação de execução contra o casal,
pretendendo receber o imóvel onde residiam como pagamento do empréstimo feito
pela empresa da qual um dos cônjuges era sócio.
Avalistas do empréstimo, eles haviam assinado o contrato com o banco
autorizando que seu imóvel fosse colocado como garantia hipotecária. Na fase de
execução, requereram a desconstituição da penhora. O juiz negou o pedido.
Único bem
No recurso de apelação para o
Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), o casal sustentou que o imóvel era o
único bem da família, portanto, impenhorável. Afirmou que a hipoteca foi dada
em garantia de dívida da empresa e não em garantia de dívida da entidade
familiar.
O TJSP entendeu que a penhora seria possível com base no artigo 3º, inciso V,
da Lei 8.009/90: “A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de
execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo
se movido: para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia
real pelo casal ou pela entidade familiar.”
Além disso, para manter a decisão do magistrado de primeiro grau, o TJSP se
apoiou também no fundamento de que não foi comprovado que o imóvel era o único
bem da família no momento da penhora.
Prova suficiente
Diante da negativa daquele tribunal, o
casal interpôs recurso especial no STJ, sustentando que tanto a doutrina quanto
a jurisprudência entendem que o bem de família é aquele no qual reside o casal
ou a família, bastando essa prova para que a proteção legal seja aplicada.
Por fim, eles afirmaram que houve divergência em relação ao entendimento do
STJ, segundo o qual a exceção do artigo 3º, inciso V, da Lei 8.009 é aplicado
apenas no caso em que a dívida é do casal ou da família. Segundo eles, o empréstimo foi concedido pelo banco à empresa da qual
um deles é sócio e não a eles, pessoas físicas.
“Nos termos da jurisprudência desta
corte, não é necessária a prova de que o imóvel onde reside o devedor seja o
único de sua propriedade para o reconhecimento da impenhorabilidade do bem de
família, com base na Lei 8.009”, disse o ministro Raul Araújo, relator do
recurso especial.
Dívida de terceiro
Ele levou em consideração que a garantia foi prestada para assegurar
dívida de terceiro, no caso, a empresa. Citou precedente do STJ, segundo o qual
“a possibilidade de penhora do bem de família hipotecado só é admissível quando
a garantia foi prestada em benefício da própria entidade familiar, e não para
assegurar empréstimo obtido por terceiro” (Ag 921.299).
Com base em vários precedentes, o
ministro sustentou que não se pode presumir que a garantia foi dada em
benefício da família, para afastar a
impenhorabilidade do bem, com base no inciso V do artigo 3º da lei
referida.
‘A Quarta Turma deu provimento ao recurso especial para anular o acórdão do
TJSP e afastar a penhora sobre o imóvel. Ficaram vencidos os ministros Antonio
Carlos Ferreira e Isabel Gallotti.
04/07/2012 -
08h49
DECISÃO
Prescrição de ação indenizatória contra o estado corre a partir do
trânsito da sentença que reconheceu o direito
O termo inicial do prazo prescricional para o
ajuizamento de ação de indenização contra ato do estado, por dano moral e
material, conta-se da ciência inequívoca dos efeitos decorrentes do ato lesivo.
O entendimento é da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao
dar provimento ao recurso de candidatos que não foram nomeados para o cargo de
auxiliar de serviços diversos no extinto Inamps.
Os candidatos ajuizaram ação de indenização contra a Fundação Nacional de Saúde
(Funasa), objetivando a reparação de danos morais e materiais por eles sofridos
em razão de não terem sido nomeados, mesmo passando em concurso público, o que
deveria ter ocorrido desde 30 de julho de 1986.
O juízo de primeiro grau reconheceu o direito de os candidatos receberem os
valores da remuneração do cargo pleiteado (danos materiais). Entretanto,
indeferiu o pedido de danos morais.
O Tribunal Regional Federal da 5ª Região reconheceu a prescrição do direito à
indenização, ao entendimento de que o ajuizamento que tem por objetivo tão
somente a nomeação dos candidatos não interrompe o prazo prescricional da ação
indenizatória.
Prescrição quinquenal
No STJ, a defesa dos candidatos sustentou que o termo inicial da
prescrição quinquenal deve fluir a partir do trânsito em julgado da decisão
judicial que determinou a nomeação e posse dos candidatos ilegalmente
preteridos pela administração pública.
Em seu voto, o relator, ministro Arnaldo Esteves Lima, destacou que, no
ordenamento jurídico brasileiro, o termo inicial para o prazo prescricional é a
data a partir da qual a ação poderia ter sido ajuizada. “Da mesma forma, deve
ocorrer em relação às dívidas da fazenda pública, cujas ações prescrevem em cinco
anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem”, afirmou.
Segundo o ministro, no caso, a lesão ao direito, que fez nascer a pretensão à
indenização, foi reconhecida na decisão judicial que determinou a nomeação dos
candidatos aos cargos, cujo trânsito em julgado ocorreu em 1999. “Tendo sido a
ação de indenização proposta em 2000, não há falar em prescrição”, disse
Esteves Lima.
03/07/2012 -
17h19
RECURSO REPETITIVO
Detalhamento de taxas no contrato bancário permite a cobrança da taxa efetiva
de juros contratada
A previsão em contrato bancário de taxa de juros
anual superior a 12 vezes (duodécuplo) a taxa mensal é suficiente para permitir
a cobrança da taxa de juros efetiva contratada. Esse é o entendimento firmado
pela Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por maioria de votos.
A decisão ocorreu no julgamento de recurso especial sob o rito dos repetitivos,
estabelecido no artigo 543-C do Código de Processo Civil. Não são admitidos
recursos contra decisões de segunda instância que adotem a tese definida nesses
julgamentos.
No caso, foram firmadas duas teses. A primeira estabelece que “é permitida a
capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano em contratos
celebrados após 31 de março de 2000, data da publicação da Medida Provisória
1.963-17/2000, em vigor como Medida Provisória 2.170-36/01, desde que
expressamente pactuada”. Nesse ponto, a decisão da Seção foi unânime.
Também é consenso que a capitalização mensal de juros deve estar expressa no
contrato de forma clara. Após intenso debate, a maioria dos ministros decidiu
que “a previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao
duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva
anual contratada”.
Na prática, isso significa que bancos não precisam incluir nos contratos
cláusula com redação que expresse o termo “capitalização de juros” para cobrar
a taxa efetiva contratada, bastando explicitar com clareza as taxas que estão
sendo cobradas. A cláusula com o termo “capitalização de juros” será necessária
apenas para que, após vencida a prestação, sem o devido pagamento, o valor dos
juros não pagos seja incorporado ao capital para o efeito de incidência de
novos juros.
Ficaram vencidos os ministros Luis Felipe Salomão, relator, Nancy Andrighi e
Paulo de Tarso Sanseverino. Para eles, a menção numérica das taxas não basta
para caracterizar a pactuação expressa de juros capitalizados, a qual deve
estar expressa no contrato.
Voto vencedor
No ponto controvertido, prevaleceu o entendimento apresentado em voto-vista
pela ministra Isabel Gallotti. Ela concorda que a pactuação de capitalização de
juros deve ser expressa, com taxas claramente definidas no contrato, bem como a
periodicidade da capitalização. Tudo para que não haja qualquer dúvida quanto
ao valor da dívida, aos prazos de pagamento e encargos.
Em extenso voto, com base em doutrina e jurisprudência, a ministra buscou os
conceitos jurídico e financeiro para “capitalização de juros”, “juros
capitalizados” e “juros compostos”, termos comumente usados como sinônimos.
Entendeu que a “capitalização de juros” vedada pelo Decreto 22.626/33
(conhecido como Lei de Usura) em intervalo inferior a um ano e permitida pela
Medida Provisória 2.170-36, para as instituições financeiras, desde que
expressamente pactuada, está ligada à circunstância de os juros devidos e já
vencidos serem, periodicamente, incorporados ao valor principal. Os juros não
pagos são incorporados ao capital e sobre eles passam a incidir novos juros.
Por outro lado, há os conceitos abstratos, de matemática financeira, de “taxa
de juros simples” e “taxa de juros compostos”, métodos usados na formação da
taxa de juros contratada, prévios ao início do cumprimento do contrato. “A mera
circunstância de estar pactuada taxa efetiva e taxa nominal de juros não
implica, portanto, capitalização de juros, mas apenas processo de formação da
taxa de juros pelo método composto”, explicou a ministra.
Taxa abusiva
“Não me parece coerente com o sistema jurídico vigente, tal como compreendido
na pacífica jurisprudência do STJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), extirpar
do contrato a taxa efetiva expressamente contratada em nome da vedação legal à
capitalização de juros”, afirmou Isabel Gallotti.
A ministra ressaltou que o contrato deve ser respeitado, inclusive a taxa
efetiva de juros nele pactuada. Contudo, destacou que cabe ao Judiciário
analisar a cobrança de taxas abusivas, que consistem no excesso de taxa de
juros, em relação ao praticado no mercado financeiro.
Acompanharam esse entendimento os ministros Raul Araújo, Antonio Carlos
Ferreira, Villas Bôas Cueva e Marco Buzzi.
Posição vencida
Diante da divergência, o relator reexaminou o caso e confirmou seu voto. Na
ratificação, o ministro Luis Felipe Salomão afirmou que “a mera existência de
discriminação da taxa mensal e da taxa anual de juros, sendo esta superior ao
duodécuplo daquela, não configura estipulação expressa de capitalização mensal,
pois ausente a clareza e transparência indispensáveis à compreensão do
consumidor hipossuficiente, parte vulnerável na relação jurídica”.
Salomão lembrou que, em recente julgamento realizado pela Terceira Turma (REsp
1.302.738), houve entendimento de que a especificação, no contrato bancário,
das taxas mensal e anual de juros, não configurava informação capaz de, por si
só, representar pactuação expressa de capitalização mensal de juros.
Financiamento de veículo
O recurso julgado é do Banco Sudameris, contra decisão do Tribunal de Justiça do
Rio Grande do Sul favorável a cliente que financiou um carro em 36 prestações
fixas. Como pagou apenas as duas primeiras parcelas, o banco ajuizou ação de
busca e apreensão do veículo. Em seguida, o consumidor ingressou com ação
pedindo a nulidade de cláusulas que considerava abusivas.
O contrato estabeleceu taxa de juros mensal nominal de 3,16% e taxa anual
efetiva de 45,25%, com 36 prestações fixas de R$ 331,83. Na ação, o consumidor
queria reduzir os juros para 12% ao ano, de forma que as prestações mensais
ficassem em R$ 199,72. Ele baseou sua pretensão no Decreto 22.626/33 (Lei de
Usura).
Segundo a ministra, o decreto restringiu a capitalização para evitar que uma
dívida aumente em proporções não previstas pelo devedor que tenha dificuldade
em cumprir o contrato. Além disso, já está estabelecido que o limite máximo de
taxa de juros de 12% ao ano, previsto no citado decreto, não se aplica às
instituições financeiras (Súmula 382 do STJ e 596 do STF).
“Na realidade, a intenção do recorrido é reduzir drasticamente a taxa efetiva
de juros contratada, usando como um de seus argumentos a confusão entre
conceito legal de capitalização de juros devidos e vencidos e o regime composto
de formação de taxa de juros”, concluiu Isabel Gallotti.
No caso concreto, a ministra considerou que a contratação feita não poderia ser
mais clara e transparente, com a estipulação de prestações em valores fixos e
iguais, e com a menção à taxa mensal e à correspondente taxa anual efetiva.
“Nada acrescentaria à transparência do contrato, em benefício do consumidor
leigo, que constasse uma cláusula esclarecendo que as taxas mensal e anual
previstas no contrato foram obtidas mediante método matemático de juros
compostos”, esclareceu.
Dessa forma, a Seção deu integral provimento ao recurso do banco, reconhecendo
a validade do contrato bancário.
Nenhum comentário:
Postar um comentário