STF:
Quinta-feira, 29 de março de 2012
Ministro
Lewandowski determina providências no inquérito envolvendo Demóstenes Torres
O ministro Ricardo Lewandowski,
relator do Inquérito (INQ 3430) apresentado pela Procuradoria Geral da
República (PGR) contra o senador Demóstenes Torres (DEM-GO) no Supremo Tribunal
Federal, deferiu hoje (29) parte dos pedidos formulados pelo procurador-geral
Roberto Gurgel, como a expedição de ofício ao Banco Central para que este
apresente informações acerca de movimentações financeiras do parlamentar.
Também será expedido ofício ao
presidente do Senado Federal, José Sarney (PMDB-AP), para que remeta ao STF a
relação de emendas ao orçamento apresentadas por Demóstenes Torres. Ainda por
determinação do ministro Lewandowski, o Departamento de Polícia Federal (DPF)
deverá degravar 19 diálogos telefônicos e órgãos públicos deverão prestar
informações a respeito de contratos celebrados com empresas investigadas.
O relator do Inquérito indeferiu
pedido da PGR para que o Ministério Público Federal tivesse acesso automático
aos dados financeiros complementares de Demóstenes Torres, por considerar que o
acolhimento do pedido resultaria no afastamento do sigilo bancário de forma
generalizada, sem passar pelo crivo judicial.
O pedido feito por Gurgel para que o
senador fosse ouvido nos próximos dias também foi negado pelo ministro
Lewandowski, que considerou a medida prematura. Pedidos feitos por pessoas
físicas (senadores e jornalistas da Folha de S. Paulo, Estado de S. Paulo e TV
Globo) e pelo Partido Democratas (DEM) que queriam ter acesso aos autos foram
negados pelo ministro relator, tendo em vista que os autos contêm degravações
de contatos telefônicos, que envolvem não somente os investigados, mas
terceiras pessoas, que estão protegidas pelo sigilo, nos termos da Lei 9.296/96
(artigos 8º e a 10).
O relator deferiu o pedido
apresentado pela defesa do senador Demóstenes Torres para ter acesso aos autos,
nos termos da Súmula Vinculante 14 do STF, e requisitou esclarecimentos à PGR
acerca do pedido de desmembramento dos autos.
STJ
DECISÃO
Plano de saúde não pode fixar limite
de despesa hospitalar
É abusiva cláusula que limita despesa com
internação hospitalar, segundo decisão da Quarta Turma do Superior Tribunal de
Justiça (STJ). Para os ministros, não pode haver limite monetário de cobertura
para as despesas hospitalares, da mesma forma que não pode haver limite de
tempo de internação.
A tese foi fixada no julgamento de recurso especial contra decisão da Justiça
paulista, que considerou legal a cláusula limitativa de custos. Em primeiro e
segundo graus, os magistrados entenderam que não havia abuso porque a cláusula
estava apresentada com clareza e transparência, de forma que o contratante teve
pleno conhecimento da limitação.
Contudo, a Quarta Turma entendeu que a cláusula era sim abusiva, principalmente
por estabelecer montante muito reduzido, R$ 6.500, incompatível com o próprio
objeto do contrato de plano de saúde, consideradas as normais expectativas de
custo dos serviços médico-hospitalares. “Esse valor é sabidamente ínfimo quando
se fala em internação em unidade de terapia intensiva (UTI), conforme ocorreu
no caso em exame”, afirmou o relator, ministro Raul Araújo.
O ministro ressaltou que o bem segurado é a saúde humana, sendo inviável a
fixação de um valor monetário determinado, como acontece com o seguro de bens
materiais. “Não há como mensurar previamente o montante máximo a ser despendido
com a recuperação da saúde de uma pessoa enferma, como se faz, por exemplo,
facilmente até, com o conserto de um carro”, explicou Araújo.
O relator lembrou que a própria Lei 9.656/98, que estabelece as regras dos
planos privados de assistência à saúde, vigente à época dos fatos, vedava a
limitação de prazo, valor máximo e quantidade na cobertura de internações
simples e em centro de terapia intensiva.
Por essas razões, e “em observância à função social dos contratos, à boa-fé
objetiva e à proteção à dignidade humana”, a Turma reconheceu a nulidade da
cláusula contratual.
Liminar
A ação inicial foi ajuizada pela família de uma mulher que faleceu em
decorrência de câncer no útero. Ela ficou dois meses internada em UTI de
hospital conveniado da Medic S/A Medicina Especializada à Indústria e ao
Comércio. No 15º dia de internação, o plano recusou-se a custear o restante do
tratamento, alegando que havia sido atingido o limite máximo de custeio, no
valor de R$ 6.500.
Por força de decisão liminar, o plano de saúde pagou as despesas médicas até o
falecimento da paciente. Na ação de nulidade de cláusula contratual cumulada
com indenização por danos materiais e morais, a empresa apresentou reconvenção,
pedindo ressarcimento das despesas pagas além do limite estabelecido no
contrato, o que foi deferido pela Justiça paulista.
Dano moral
Ao analisar o pedido de indenização por danos morais e materiais, o ministro
Raul Araújo ressaltou que ele se refere à recusa pela seguradora à cobertura do
tratamento médico-hospitalar. Ele destacou que a morte da segurada não foi
decorrente dessa recusa, pois o tratamento teve continuidade por força de
decisão liminar. Assim, o processo não aponta que a família da segurada tenha
efetuado gastos com o tratamento.
Quanto ao dano moral, o relator destacou que a jurisprudência do STJ considera
que o mero inadimplemento contratual não gera danos morais, mas que ele dever
ser reconhecido quanto houver injusta e abusiva recusa de cobertura pela
operadora de saúde, extrapolando o mero aborrecimento. No caso analisado, os
ministros entenderam que houve dano moral pela aflição causada à segurada.
Em decisão unânime, a Turma deu provimento ao recurso especial para julgar
procedente a ação e improcedente a reconvenção. Foi decretada a nulidade da
cláusula contratual limitativa, tida como abusiva. O plano de saúde foi condenado
a indenizar os danos materiais decorrentes do tratamento da segurada, deduzidas
as despesas já pagas pelo plano, que também deve pagar indenização por danos
morais. O valor foi fixado em R$ 20 mil, com incidência de correção monetária a
partir do julgamento no STJ e de juros moratórios de 1% ao mês, a partir da
citação.
DECISÃO
Carência não pode ser invocada para
eximir seguradora do tratamento de doença grave
Não é possível à seguradora invocar prazo de
carência contratual para restringir o custeio de procedimentos de emergência,
relativos a tratamento de tumor cerebral que acomete o beneficiário do seguro.
O entendimento é da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao
acolher o recurso de um segurado, representado por sua mãe, contra a Sul
América Companhia de Seguro Saúde.
Trata-se de ação baseada em contrato de seguro de assistência à saúde, em que a
Sul América foi condenada, em primeira instância, a custear todos os
procedimentos quimioterápicos, cirúrgicos, hospitalares e correlatos, relativos
a menor com tumor diagnosticado no cérebro, até a cessação e extirpação da
moléstia.
A seguradora havia se negado a pagar os procedimentos, ao argumento de que o
menor consta no grupo de carência 2 do contrato, estando submetido ao prazo de
carência de 180 dias a partir da adesão ao seguro. O menor entrou como
dependente do seu pai em 25 de setembro de 2002 e o diagnóstico do tumor foi
dado em 10 de janeiro de 2003. A cirurgia emergencial, custeada pelos seus
pais, foi feita em 21 de janeiro de 2003.
O Tribunal de Justiça de São Paulo, ao julgar a apelação da seguradora,
considerou válida a cláusula que estabeleceu prazo de carência, mesmo porque
estava de acordo com os limites impostos na legislação específica. “Ademais, no
momento da contratação, foi dada ciência ao representante legal do menor da
mencionada cláusula restritiva”, afirmou a decisão.
Entretanto, o tribunal estadual entendeu que a seguradora tinha obrigação de
arcar com as despesas de internação nas primeiras 12 horas de atendimento,
incluindo todos os exames solicitados antes da cirurgia, mesmo porque não havia
motivos para a negativa, uma vez que foram solicitados assim que ocorreu a
internação do menor.
Cláusulas abusivas
A defesa do menor recorreu ao STJ alegando que, ao contrário do
entendimento do TJSP, o artigo 35-C da Lei 9.656/98 não limita o custeio dos
procedimentos de urgência ou emergência às primeiras 12 horas de internação.
Sustentou que o titular do seguro aderiu a plano hospitalar e que Resolução 13
do Conselho de Saúde Complementar estabelece que, nos contratos de plano
hospitalar, deve haver cobertura aos atendimentos de urgência e emergência que
evoluírem para internação, desde a admissão do paciente até a sua alta.
A defesa expôs, ainda, que o contrato de adesão tem cláusulas abusivas,
limitativas do direito do consumidor.
Em seu voto, o relator do recurso, ministro Luis Felipe Salomão, ressaltou que
é possível a estipulação contratual de prazo de carência, conforme o artigo 12
da Lei 9.656. Entretanto, o ministro lembrou que o inciso V da mesma lei
estabelece o prazo máximo de 24 horas para cobertura dos casos de urgência e
emergência.
Segundo Salomão, os contratos de seguro e assistência à saúde são pactos de
cooperação e solidariedade, cativos e de longa duração, regidos pelo princípio
da boa-fé objetiva e pela função social, com o objetivo principal de assegurar
ao consumidor tratamento e segurança.
“O Código de Defesa do Consumidor prevê a necessidade da adequação dos produtos
e serviços à legítima expectativa que o consumidor tem de, em caso de pactuação
de contrato oneroso de seguro de saúde, não ficar desamparado, no que tange a
procedimento médico premente e essencial à preservação de sua vida”, afirmou
Salomão. Assim, acompanhando o voto do relator, a Quarta Turma restabeleceu a
sentença em todos os seus aspectos.
DECISÃO
Quarta Turma não reconhece proteção
do direito de família à situação de concubina
É possível, no mundo dos fatos, a coexistência de
relações com vínculo afetivo e duradouro, e até com objetivo de constituir
família, mas a legislação ainda não confere ao concubinato proteção jurídica no
âmbito do direito de família. A observação foi feita pelo ministro Luis Felipe
Salomão, da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao votar dando
provimento a recurso especial da esposa para restabelecer sentença que negou à
concubina o reconhecimento de união estável, para efeito de receber pensão.
Tudo começou quando o concubino morreu e a concubina foi à Justiça, com ação
declaratória de reconhecimento de união estável em face da sucessão do
falecido, representada pela esposa. Na ação, afirmou que ela e o falecido
assumiram publicamente a relação desde janeiro de 2000, como se casados fossem,
e passaram a residir juntos em 2002.
O advogado disse que, apesar de formalmente casado com a esposa., o falecido
estava separado de fato desde 2000, sendo possível a habilitação da autora da
ação junto ao Instituto de Previdência do Estado do Rio Grande do Sul (Ipergs),
para o recebimento de pensão relativa ao benefício previdenciário do
companheiro. Afirmou também que ele não deixou totalmente a esposa porque ela
havia ficado doente, após sofrer um acidente.
Na contestação, a defesa da esposa afirmou que ela permaneceu casada com o
falecido por 36 anos, até a sua morte em 2005, sem que ele jamais tivesse
abandonado o lar. Argumentou que a própria concubina escrevera carta admitindo
que ele continuava casado, não podendo ser reconhecida a união estável
paralela, mas mero relacionamento extraconjugal.
A ação foi julgada improcedente. Segundo o juiz, não foi comprovado que, em
algum momento, o falecido tenha tentado terminar o casamento para formar uma
entidade familiar com a autora. A concubina apelou, e o Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Sul (TJRS) deu provimento ao recurso.
Família paralela
“Se, mesmo não estando separado de fato da esposa, vivia o falecido em
união estável com a autora/companheira, entidade familiar perfeitamente
caracterizada nos autos, deve ser reconhecida a sua existência, paralela ao
casamento, com a consequente partilha de bens”, justificou o tribunal gaúcho.
A esposa recorreu ao STJ, sustentando a mesma alegação: é impossível o
reconhecimento de união estável, na medida em que o falecido continuou casado e
convivendo com ela, não tendo sido demonstrada pela outra parte a separação de
fato. Em parecer, o Ministério Público Federal opinou pelo provimento do
recurso.
Em decisão unânime, a Quarta Turma declarou a impossibilidade de reconhecimento
da união estável concomitante ao casamento. “Mesmo que determinada relação não
eventual reúna as características fáticas de uma união estável, em havendo o
óbice, para os casados, da ausência de separação de fato, não há de ser
reconhecida a união estável”, afirmou o ministro Luis Felipe Salomão, relator
do caso.
Ele observou que a manutenção de uma sociedade conjugal por finalidades outras
que não as tradicionalmente imaginadas pela doutrina ou pela sociedade não
descaracteriza como casamento a união voluntária entre duas pessoas. “Descabe
indagar com que propósito o falecido mantinha sua vida comum com a esposa, se
por razões humanitárias ou por qualquer outro motivo, ou se entre eles havia
vida íntima”, considerou.
Ao dar provimento ao recurso especial, o relator ressaltou que tal ingerência
agride a garantia de inviolabilidade da vida privada e, de resto, todos os
direitos conexos à dignidade da pessoa humana. “Não se mostra conveniente, sob
o ponto de vista da segurança jurídica, inviolabilidade da intimidade, vida
privada e da dignidade da pessoa humana, abrir as portas para questionamento
acerca da quebra da affectio familiae, com vistas ao reconhecimento
de uniões estáveis paralelas a casamento válido”, concluiu o ministro.
O número deste processo não é divulgado em razão de sigilo judicial.
DECISÃO
Candidato aprovado fora do número de
vagas previsto no edital não consegue nomeação
Um candidato aprovado fora do número de vagas
previsto no edital de concurso para o cargo de terceiro secretário da carreira
diplomática teve negado o direito à nomeação pelo Superior Tribunal de Justiça
(STJ). Os ministros da Primeira Seção do Tribunal entenderam que, sem a
comprovação de vaga extra, não há o direito líquido e certo.
O edital previa 26 vagas para a carreira diplomática, dentre elas, duas vagas
reservadas a portadores de necessidades especiais. Aprovado na 26ª colocação, o
candidato afirma possuir direito líquido e certo à nomeação, uma vez que
somente um candidato foi aprovado para as duas vagas reservadas a portadores de
necessidades especiais, e que o diretor do Departamento de Serviço Exterior
teria reconhecido a existência de mais uma vaga extra, com pedido de
autorização para o seu provimento ao Ministério do Planejamento, Orçamento e
Gestão.
O pedido liminar foi deferido pelo relator do mandado de segurança, ministro
Humberto Martins, tão somente para garantir a reserva da vaga e permitir a
participação do candidato no curso de formação, alegadamente já em andamento.
No julgamento do mérito do recurso, a Primeira Seção do STJ afirmou que não
existe a vaga alegada pelo candidato, o que afasta a certeza e a liquidez do
direito invocado. Segundo o voto do relator, o candidato não foi aprovado
dentro do número de vagas do edital, e nem mesmo a existência de vaga ocorrida
pela apresentação de apenas um candidato com deficiência física o beneficiou.
“Ademais, assiste razão à União, no momento em que consigna que o conceito de
interesse da administração pública em convocar pessoal aprovado fora das vagas
não está restrito ao pronunciamento de um órgão apenas. O estado, na vertente
do Poder Executivo, é organizado de forma compartimentalizada, e a oferta de
novas vagas depende da existência do pronunciamento financeiro e técnico de
diversas instâncias e órgãos”, destacou o ministro Humberto Martins.
DECISÃO
Prazo de decadência conta do efetivo
cumprimento da medida cautelar
O prazo de decadência de 30 dias previsto no artigo
806 do Código de Processo Civil (CPC), para a proposição da ação principal,
conta a partir do efetivo cumprimento da medida cautelar concedida e não da
mera comunicação à outra parte. A decisão foi dada de forma unânime pela Quarta
Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em recurso impetrado por uma
empresa de alimentos contra julgado do Tribunal de Justiça de Santa Catarina
(TJSC).
O TJSC julgou extinta a ação movida pela indústria de alimentos contra a
Financeira Alfa S/A para a retirada do seu nome do cadastro do Sistema de
Informações do Banco Central (Sisbacen). A empresa requereu medida cautelar
para a retirada do nome até o julgamento da ação principal, o que foi concedido
pelo TJSC em 2 de março de 2000. A ordem não foi cumprida e a financeira foi
oficiada para cumprir a determinação judicial, por meio de aviso de recebimento
(AR), juntado os autos em 11 de dezembro de 2001.
Mais uma vez, a ordem não foi cumprida e a ação principal não foi interposta, o
que resultou na extinção da cautelar em dezembro de 2003. Para o tribunal
catarinense, o prazo de decadência da ação começou a contar da juntada do AR,
quando a outra parte teve ciência da obrigação de cumprir a decisão da
cautelar. Destacou que “seria temerário” aceitar que a empresa passou dois anos
inscrita no Sisbacen sem se insurgir contra isso.
Todavia, na visão da defesa da empresa de alimentos, o prazo devia ser contado
da efetivação, ou seja, do real cumprimento da medida cautelar. No recurso ao
STJ, também afirmou haver dissídio jurisprudencial (julgados com diferentes
conclusões sobre o mesmo tema). Argumentou que não teria havido válido e
regular desenvolvimento do processo que justificasse a sua extinção, já que
ainda não houve a exclusão do nome da empresa do Sisbacen.
O ministro Raul Araújo, relator do caso, considerou que a razão caberia à
empresa de alimentos, pois a liminar só tem eficácia a partir do seu
cumprimento pela financeira. O magistrado salientou que a jurisprudência do STJ
fixa que o prazo do artigo 806 do CPC conta “da efetivação de liminar ou
cautelar, concedida em procedimento preparatório”.
“Na hipótese dos autos, conforme acima ressaltado, embora tenha sido juntado o
AR do ofício que comunicava o deferimento da liminar, não se tem notícia de que
a instituição financeira tenha procedido à exclusão do nome da empresa de
alimentos”, comentou o ministro Araújo. Não haveria, portanto, o início do
prazo decadencial. Ele determinou o restabelecimento da cautelar e a volta do
processo ao TJSC para as medidas cabíveis.
ESPECIAL
STJ consolida jurisprudência que
disciplina a reforma agrária no país
A reforma agrária objetiva, basicamente, a
democratização do acesso à terra. Para atingir esse objetivo, o governo deve
tomar medidas para uma distribuição mais igualitária da terra, desapropriando
grandes imóveis e assentando famílias de lavradores ou garantindo a posse de
comunidades originárias daquelas terras, como indígenas e quilombolas.
As desapropriações são conduzidas pelo Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária (Incra), autarquia ligada ao Ministério do Desenvolvimento
Agrário (MDA). As ações do Incra têm como base as diretrizes do II Programa
Nacional de Reforma Agrária, implantado em 2003.
Além da desconcentração da estrutura fundiária, alguns dos objetivos do
programa são: o combate à fome, a produção de alimentos, a geração de renda e o
desenvolvimento rural sustentável. Entretanto, em 2011, pouco mais de 22 mil
famílias foram assentadas – de acordo com dados do Incra –, em grande contraste
com o ano de 2006, por exemplo, quando foram atendidas mais de 136 mil
famílias.
O Judiciário tem ajudado bastante no processo de desapropriação – seja ele por
utilidade pública ou por interesse social. Pelo Superior Tribunal de Justiça
(STJ) já passaram centenas de processos relativos à desapropriação para reforma
agrária, o que ajudou o tribunal a consolidar sua jurisprudência relativa ao
tema – inclusive com entendimentos sumulados.
Área maior
Durante o processo de desapropriação, peritos fazem laudos técnicos sobre a
propriedade expropriada – relativos à produtividade e mesmo ao tamanho da
propriedade. Em alguns desses casos, a área encontrada pelo perito difere
daquela no registro do imóvel.
Por conta dessa situação, o Incra recorreu diversas vezes ao STJ. No Recurso
Especial (REsp) 1.252.371, relatado pelo ministro Cesar Rocha, a autarquia
questionou decisão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5), que
determinou que o valor da indenização corresponderia à área encontrada pela
perícia, e não àquela registrada.
O Incra já havia depositado indenização correspondente à área efetivamente
registrada e declarada, embora tenha medido, em perícia, cerca de 20 hectares a
mais. A indenização oferecida pelo Incra era de R$ 1.117.159,28, mas a sentença
fixou indenização em R$ 1.412.186,88 (reduzindo o valor arbitrado pelo laudo
pericial, R$ 1.848.731,28). O valor foi mantido pelo TRF5, sob o argumento de
que “a indenização deve corresponder ao todo real, pouco importando o que o
registro anuncie”.
O ministro Cesar Rocha destacou que, a seu ver, a indenização deve abranger a
área total determinada, sem restrições ao levantamento dos valores equivalentes
à diferença obtida entra a área do registro e a área real. Segundo ele, o
expropriado só ficaria impossibilitado de levantar a totalidade do valor da
desapropriação se houvesse dúvidas quanto à propriedade da área não registrada
ou disputas pela porção de terra.
Porém, a jurisprudência do tribunal impõe indenização da área registrada,
mantendo-se em depósito judicial o que sobrar até que o expropriado promova a
retificação do registro ou que seja decidida a titularidade do domínio.
Juros compensatórios
Os juros compensatórios são cedidos ao desapropriado para compensar o que
ele deixou de ganhar com a perda antecipada do imóvel ou ressarci-lo pela perda
do uso e gozo econômico do imóvel. Entretanto, sempre existem controvérsias
sobre sua base de cálculo.
Nos embargos declaratórios no REsp 1.215.458, o Incra alegou que a base de
cálculo para incidência dos juros compensatórios seria a diferença apurada
entre o preço ofertado em juízo e o valor da condenação – no período de
vigência da Medida Provisória 1.577, de 1997 até 2001.
O ministro Mauro Campbell Marques concordou com a alegação do Incra e acolheu
os embargos. Segundo ele, entre 11 de junho de 1997 e 13 de setembro de 2001,
os juros devem ser fixados em 6% ao ano. A partir daí, em 12% ao ano, de acordo
com a súmula 618 do Supremo Tribunal Federal (STF).
O ministro explicou que antes da MP 1.577, a base de cálculo corresponde ao
valor da indenização fixada em sentença, a partir da imissão de posse. Depois
da MP, a base de cálculo corresponde ao valor ofertado pelo expropriante menos
o valor fixado judicialmente. E a partir de 2001, quando a MP foi considerada
inconstitucional, a base de cálculo passa a ser a diferença entre 80% do valor
ofertado e o valor fixado na sentença.
Imóvel improdutivo
Alguns dos imóveis desapropriados são improdutivos, ou seja, não cumprem sua
função social. E muitas vezes, a administração pública se recusa a pagar os
juros compensatórios. Porém, o STJ entende que os juros compensatórios incidem,
sim, sobre imóveis improdutivos.
O ministro Castro Meira afirmou esse entendimento no julgamento do REsp
1.116.364. Para ele, “excluir os juros compensatórios do valor a ser indenizado
representaria, em verdade, dupla punição”.
Isso por causa da frustração da expectativa de renda, pois a qualquer momento o
imóvel improdutivo pode ser aproveitado e se tornar produtivo, ou pode mesmo
ser vendido. O fundamento para a imposição dos juros compensatórios não é a
produtividade, e sim o desapossamento.
No julgamento dos embargos de divergência no REsp 453.823, o ministro Teori
Zavascki explica quais são os critérios que devem ser cumpridos para um imóvel
ser considerado produtivo: aproveitamento racional e adequado; utilização
adequada dos recurso naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;
observância das disposições que regulam as relações de trabalho; exploração que
favoreça o bem-estar dos proprietários e trabalhadores.
Mas ainda que o imóvel não atenda a esses critérios, os juros compensatórios
são cabíveis. Segundo o ministro Zavascki, isso acontece em respeito ao
princípio da justa indenização.
“Embora a Constituição tenha afastado a recomposição em dinheiro do patrimônio do
titular do imóvel desapropriado, manteve o critério da justa indenização, que
só se fará presente mediante a reparação de todos os prejuízos experimentados
pelo administrado, incluindo os juros compensatórios”, explicou o ministro.
Comunidade quilombola
O Incra tentou desapropriar uma fazenda localizada em terras definidas como
sítio de valor histórico e patrimônio cultural do povo Kalunga. Mas a sentença
extinguiu o processo, por considerar que o objetivo da desapropriação para
reforma agrária é promover a expropriação de terras para o assentamento de
trabalhadores. O entendimento foi mantido pelo TRF1.
A autarquia recorreu ao STJ – no REsp 1.046.178 – alegando que possui
legitimidade para realizar a desapropriação do imóvel. O Decreto 4.887/03 regula
o artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que reconhece
a propriedade definitiva das terras às comunidades quilombolas.
O decreto declara o Incra competente para a identificação, reconhecimento,
delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das
comunidades dos quilombos. O DL 3.365/41, que trata das desapropriações por
utilidade pública, não prevê a desapropriação para regularização de terras para
comunidades quilombolas que não ocupavam a área desapropriada.
O caso é, na verdade, desapropriação por interesse social, pois o imóvel não
servirá à administração pública, e sim ao interesse da comunidade – o objetivo
da desapropriação é a preservação do patrimônio cultural do povo Kalunga.
Segundo o ministro Mauro Campbell Marques – ao dar provimento ao recurso do
Incra, determinando a retomada do trâmite da ação de desapropriação –, o poder
público não pode desapropriar imóveis sem lhes destinar qualquer finalidade
pública ou interesse social.
“A desapropriação de imóvel rural para fins de reforma agrária, modalidade
extrema de intervenção do estado na propriedade privada, constitui mecanismo de
implementação de justiça social no campo, por intermédio da justa distribuição
da propriedade rural e da renda fundiária”, disse o ministro.
INSTITUCIONAL
Entidades querem pena maior para
corrupção e criminalização do enriquecimento ilícito
Representantes de instituições do poder público e
entidades ligadas ao meio jurídico reuniram-se com a comissão de reforma do
Código Penal para pedir o aumento da pena mínima por crime de corrupção, a
possibilidade de responsabilização de pessoas jurídicas nestes casos e a
criminalização do enriquecimento ilícito ou sem causa. As sugestões foram
apresentadas nesta sexta-feira (23), em audiência pública presidida pelo
ministro Gilson Dipp, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que dirige os
trabalhos da comissão de juristas.
“É preciso ter leis claras, objetivas, abrangentes. Queremos um código
inteligível para o cidadão”, afirmou o ministro Dipp. Ele explicou que a
tendência da comissão não é endurecer penas como se fosse o paliativo para o
ciclo de corrupção que existe no Brasil. “O problema é que os crimes contra a
administração pública geralmente ficam sem punição. O que alimenta a corrupção
é a sensação de impunidade”, avaliou o ministro.
Dados do Ministério da Justiça revelam que há atualmente 570 pessoas cumprindo
pena por corrupção ativa no país; por corrupção passiva, apenas 60. O Código
Penal em vigor, de 1940, prevê pena por corrupção de dois a 12 anos. A proposta
da comissão é incluir o crime de concussão na corrupção passiva e elevar a pena
mínima para três anos, reduzindo a máxima para oito anos.
Porém, a pena mínima de quatro anos para esses crimes foi defendida por
representantes da Procuradoria Geral da República (PGR), Advocacia Geral da
União (AGU), Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), Associação
Nacional dos Membros do Ministério Público (ANMP), Conselho Nacional dos
Procuradores Gerais de Justiça (CNPG) e Movimento Brasil Contra a Corrupção.
O procurador regional da República Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, relator do
anteprojeto do novo Código Penal, acredita que o capítulo sobre os crime contra
a administração seja o que mais deve interessar à sociedade. “Temos a percepção
de que há muita corrupção no Brasil. Mas não se acaba com a corrupção
simplesmente mudando a lei. A lei pode ajudar, só que ela não colabora tanto
quanto poderia. Temos um código antigo, pensado para uma corrupção antiga”,
avaliou.
Ele não considera as penas brandas, mas destaca que a comissão pretende rever
alguns critérios. Por exemplo, “às vezes se tende mais à pena mínima do que à
máxima. Achamos que este intervalo tem que ser revisto”, afirmou o relator.
Enriquecimento ilícito
Mas o procurador-regional adverte que não adianta ter pena severa para o
crime de corrupção se não houver certas mudanças, modernizando a lei penal.
“Sou favorável à criminalização do enriquecimento ilícito, porque aí você não
surpreende o ato da corrupção, que é feito às escuras, mas a consequência da
corrupção, que é aquele acréscimo patrimonial indevido”, afirmou.
O representante do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica
Internacional do Ministério da Justiça, Roberto Biasoli, explicou que o Brasil
é signatário de dois tratados (com as Nações Unidas e a OEA – Organização dos
Estados Americanos) em que assumiu compromisso de combater o enriquecimento
ilícito. Porém, a falta da tipificação do crime dificulta a cooperação com
outros países. “Infelizmente temos visto poucas condenações. O Brasil tem
obrigações a cumprir e a inclusão desse tipo penal ajudaria muito na
efetividade das convenções”, destacou.
Pessoa jurídica
Para o presidente da comissão de juristas, é preciso deixar clara a
possibilidade de responsabilização penal da pessoa jurídica, independentemente
da responsabilidade dos sócios, diretores ou gestores. O ministro Dipp acredita
que a sanção penal da pessoa jurídica – como multas, impossibilidade de
participar de concorrências ou o fechamento da empresa – tem mais força do que
as sanções administrativa ou civil.
A Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e Lavagem de Dinheiro encaminhou à
comissão de juristas texto com todos os tipos penais com que o Brasil se
comprometeu internacionalmente e que ainda não foram incluídos no ordenamento
jurídico.
A comissão de reforma do Código Penal é formada por 15 juristas e trabalha
voluntariamente desde outubro de 2011 na modernização da lei. Um seminário se
realizará em Aracaju (SE), no dia 13 de abril.
Propostas sobre a reforma estão sendo recebidas no site do Senado. As sugestões
podem ser enviadas individualmente ou por organizações da sociedade civil. O
prazo fixado para apresentação do anteprojeto do novo Código Penal termina em
25 de maio. O texto será analisado pelo Senado e depois pela Câmara dos
Deputados.
Nenhum comentário:
Postar um comentário